sexta-feira, 8 de abril de 2016

Panamá é buraco negro financeiro, diz especialista

O Panamá é um dos últimos "buracos negros" das finanças internacionais e vai sofrer crescente pressão para acabar com a opacidade das operações bancárias em seu mercado, que outros paraísos fiscais já tiveram que abandonar.
É o que sinaliza o diretor de tributação da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), Pascal Saint-Amans, em entrevista ao Valor. Ele não se mostrou surpreso com a dimensão do Panamá Papers, revelado pelo vazamento de 11,5 milhões de e-mails, contratos e extratos de contas bancárias do escritório de advocacia Mossack Fonseca.
Para Saint-Amans, o segredo bancário para encobrir evasão fiscal está em regressão no mundo e o que resta acabou se concentrando no Panamá nos últimos tempos, pela recusa desse país em aplicar os padrões internacionais de transparência fiscal.
Em outros paraísos fiscais, a maioria dos clientes do setor financeiro offshore (fortunas geridas fora do país de origem) aceitou regularizar sua situação com o fisco. Quem não o fez escondeu a fortuna com ajuda do Panamá.
Para ele, o sigilo financeiro a clientes que buscam esconder ativos é mantido em boa parte pela forte pressão das firmas de advocacia sobre o governo do Panamá.
O economista Gabriel Zucman, professor na Universidade da Califórnia e autor do livro "The Hidden Wealth of Nations" (a riqueza oculta das nações), que trata das atividades financeiras em paraísos fiscais, calcula que 8% da fortuna financeira global de pessoas físicas estão em paraísos fiscais.
Isso representa US$ 7,6 trilhões, depositados em centros offshore, sendo um terço na Suíça, mas também em Hong Kong, Cingapura, Luxemburgo e outros lugares.
Certos economistas calculam que os governos perdem US$ 200 bilhões por ano em receita fiscal com a evasão de dinheiro que vai para os centros offshore.
Saint-Amans reconhece que há muita batalha pela frente. Ele exemplifica que somente as Ilhas Virgens Britânicas têm registradas 850 mil empresas de fachada, criadas para clientes por bancos e escritórios de advocacia com o objetivo de dissimular o real beneficiário dos ativos. No Panamá, a estimativa é que existem 100 mil dessas empresas da fachada.
O que difere no caso do Panamá é que se trata do último centro financeiro de certa importância que ainda utiliza ações ao portador, consideradas a última capa de opacidade que, com os trustes, só existem nesse país e na Suíça. Só que a Suíça também tende a desmontá-la, enquanto o governo panamenho ignora as regras globais que vão entrar em vigor em 2017.
A manutenção de uma total opacidade e recusa de cooperar só se compara com Líbano, Bahrein e Vanuatu, que porém são centros financeiros menos importantes.
Saint-Amans nota que esses paraísos fiscais escondem não só o dinheiro da evasão fiscal, como servem também para lavagem de dinheiro da corrupção, de cartéis da droga, de grupos terroristas etc.
Há dois meses, o Panamá foi removido da "watch list" do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), entidade que estabelece padrões para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. Para isso, contou com a ajuda essencial da França. Agora, o governo francês foi o primeiro a pedir para o Panamá voltar a ser incluído na lista de paraísos fiscais que precisam ser desmantelados.
Saint-Amans diz que, se não apareceram muitos americanos na lista da Mossack Fonseca, é porque o Panamá tem um acordo com Washington e é obrigado a dar todas as informações ao fisco.
Além disso, a OCDE comemora a decisão recente do governo de Barack Obama de desmontar até o fim deste ano a estrutura de "single member LLC (Limited Liability Company)", empresa de responsabilidade limitada detida por uma só pessoa, normalmente estrangeiros. Estados americanos considerados como paraíso fiscal, como Delaware, Wyoming e Nevada, podem hoje dissimular a identidade do beneficiário real desde que ele não tenham atividade nos EUA.
Segundo Saint-Amans, 96 países já aceitaram adotar a partir de 2017-18 a troca automática de informações. Por esse padrão, os governos obterão dados de suas instituições financeiras e os trocarão com outros países, para frear a evasão fiscal e ajudar a identificar quem esconde dinheiro em paraísos fiscais. Ou seja, o Panamá não vai resistir muito tempo.

Leia mais em: http://www.valor.com.br/internacional/4516178/panama-e-buraco-negro-financeiro-diz-especialista

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