Juros, inflação, desemprego, instabilidade política. Os esforços
necessários para enfrentar o atual cenário deixam pouco espaço para
estender o olhar para o futuro. Mas, dedicar tempo e recursos para
pensar e, principalmente, estar disposto a construir as próximas décadas
é, segundo especialistas que acompanham as tendências mundiais,
fundamental. É lá, dizem, que estão os maiores desafios - mas também as
grandes oportunidades.
Alguns argumentos: em 2030 estima-se que haverá no mundo uma
população de 8,3 bilhões de pessoas, pressionando a demanda por energia,
água, alimentos e o uso da terra. Até lá, o total de consumidores da
classe média vai aumentar drasticamente, especialmente na Ásia, e seu
consumo será quase triplicado, para mais de US$ 55 trilhões.
Em 2050, o PIB dos países emergentes (China, Índia, Brasil, Rússia,
Indonésia, México e Turquia), terá saltado para US$ 138 trilhões, o que
representará o dobro do total esperado para os países do G7 (Alemanha,
Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) - uma clara
indicação de deslocamento do centro de poder econômico no mundo.
Dados dessa magnitude já seriam suficientes para convencer os mais
resistentes a olhar o futuro com atenção redobrada. A lente dos
estudiosos, porém, mostra que há muito mais. "Estamos vivendo um momento
em que fatores de grande impacto para a natureza, a sociedade e a
economia estão interagindo de forma acelerada para criar um futuro
totalmente novo", diz Fernando Alves, sócio-presidente da PwC Brasil.
Os radares da PwC, detalhados em estudo sobre megatendências e suas
implicações, de 2015, apontam para cinco grandes forças que, segundo o
executivo, vão mudar radicalmente o mundo nas próximas décadas: a
população mundial vai ter um novo perfil demográfico; a balança do poder
econômico penderá para o lado dos emergentes; haverá um drástico
aumento da concentração urbana e uma revolução tecnológica tão rápida e
intensa quanto o impacto desse novo mundo sobre o meio ambiente.
"Descortinar esse mundo por vir significa criar as condições necessárias
para se preparar e fazer desse futuro uma oportunidade e não uma
ameaça", diz Alves.
O estudo Megatendências 2030 do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), também de 2015, que sintetiza as expectativas de
personalidades e entidades internacionais sobre o futuro mundial, mostra
que o novo perfil populacional, com maior peso da classe média, pessoas
cada vez mais envelhecidas, conectadas e empoderadas vai exigir muito
mais das organizações e dos governos.
"Identificamos tendências fortes, que já estão em andamento e vão
gerar um mundo bem diferente do que se vive hoje", afirma Elaine
Coutinho Marcial, organizadora do estudo e coordenadora da assessoria de
gestão estratégica, informação e documentação do Ipea.
Além das mudanças de perfil populacional, o Ipea aponta a formação de
novas e poderosas forças relacionadas ao modelo econômico vigente, ao
clima, à geopolítica mundial, à ciência e à tecnologia. O instituto
também fez um mapeamento das grandes incertezas - áreas nas quais há
sinais que não se consolidaram como tendências. "É nesse ponto que
empresas, sociedade e governo podem trabalhar e alterar o curso dos
acontecimentos", afirma Elaine.
É também esse o convite que os especialistas fazem às corporações: de
se tornarem vetores da mudança. "A analogia extraída do darwinismo,
segundo o qual não sobrevive quem é o mais forte, nem o mais rápido, mas
o que melhor se adapta, ficou no século XX; o que importa agora vai
além da adaptação: é preciso ter capacidade de agir, articular
parceiros, atender demandas sociais", observa Luís Guedes, professor de
inovação da Fundação Instituto de Administração (FIA), da Universidade
de São Paulo (USP).
Para Alves, da PwC, muitas organizações identificam megatendências,
mas têm dificuldade em decodificá-las. "Quem decodificar isso de maneira
mais plena e antes se posicionar vai ser vencedor", diz ele. No caso do
deslocamento do poder econômico mundial, por exemplo, o importante é
descobrir se a empresa está preparada para explorar negócios nos novos
centros globais. "Se os países emergentes serão a economia do amanhã, as
empresas precisarão estar nesses mercados", diz o executivo.
Segundo ele, não é por outra razão que, a despeito do desempenho da
economia brasileira, o Brasil recebe um investimento estrangeiro anual
de US$ 65 bilhões. "Por que isso acontece se a economia está
decrescendo? Porque o Brasil é relevante no mundo de amanhã", diz.
Além do monitoramento geográfico, as organizações precisam estar
preparadas para atuar no futuro digital - a megatendência apresentada
como principal no estudo da Ernst & Young (EY). "Todos os negócios
estão evoluindo para plataformas digitais e, para estar alinhada com
essa tendência, a empresa tem de repensar os canais de comunicação com
seus clientes; capturar e usar os dados de forma eficiente, mas também
saber como se proteger das ameaças cibernéticas", diz Miguel Duarte,
sócio de consultoria da EY.
Outro ponto que requer atenção, segundo o executivo, é a
transformação que o futuro digital vai promover no ambiente de trabalho:
47% das profissões em economias desenvolvidas têm um alto risco de
serem automatizadas nos próximos 20 anos.
Do ponto de vista do ambiente físico, os desafios são grandes para
sociedade, empresas e governo. O avanço acelerado da urbanização
observado nas últimas décadas se intensificará: até 2050, as cidades vão
abrigar 72% mais habitantes em relação ao universo de 3,6 bilhões de
pessoas de 2011, segundo levantamento da Organização das Nações Unidas
(ONU). "Esse salto forçará o uso de infraestrutura dos grandes centros e
os gargalos nos sistemas de transporte público, saúde, abastecimento de
água e alimentos se agravarão", diz o presidente da PwC.
Segundo ele, as cidades terão de estabelecer limites e ter eficiência
para assegurar qualidade de vida aos seus habitantes - por exemplo,
utilizando modelos de gestão com parâmetros empresariais. "As
megalópoles serão mais influenciadoras do que países e haverá um
sentimento anti-cidade, porque será difícil viver nelas", afirma.
Mais populoso, rico e urbano, o planeta enfrentará uma intensa
pressão por recursos naturais. A previsão é que até 2030 a demanda por
água aumente 40%, a de energia, 50%, e a de alimentos, 35%. "Isso
significa maior competição por recursos e os CEOs terão de fazer uma
avaliação mais crítica dos cenários para se antecipar a possíveis
crises", observa Alves. Como mostra o estudo do Ipea, o modelo econômico
atual é agressivo ao meio ambiente e, além de levar à escassez de
recursos naturais, poderá contribuir para a ocorrência de eventos
extremos, ocasionando impactos negativos ao ambiente social e econômico.
"Temos de repensar nossa relação com o planeta", diz Elaine.
Duarte, da EY, lembra que é possível observar um crescimento do
movimento pró-sustentabilidade entre as empresas - especialmente nas
grandes corporações -, impulsionado por consumidores que cobram cada vez
mais uma atividade produtiva voltada para a minimização de impactos no
meio ambiente. Mas essa guinada tem um alto custo: a projeção é que até
2050 a adaptação a mudanças climáticas exigirá um desembolso de até US$
100 bilhões por ano.
Assim como a sustentabilidade, a tecnologia, o novo perfil do
consumidor e a urbanização acelerada estão no radar de muitos CEOs.
Ainda assim, segundo Guedes, muitas empresas preferem ficar de olho no
presente a assumir o risco do futuro. "É como numa prova. Se estudar
bastante o que vai cair, passa de ano, mas país nenhum avança dessa
forma", diz. No setor público, o avanço tem outro ritmo. "O longo prazo
ainda não entrou na agenda do Estado", observa Elaine. Além de prover a
infraestrutura necessária ao novo mundo, cabe ao Estado atender às
demandas por serviços públicos, educação, capacitação e transparência
exigidas pela nova era.
Para Guedes, é também tarefa dos governos estimular o avanço do país
com uma política que estimule setores econômicos estrategicamente
definidos. "Foi o que o Japão fez: estudou o futuro, escolheu a robótica
e fez um planejamento de longo prazo." A aposta japonesa avançou tanto
que é um robô a protagonista do filme "Sayonara", apresentado no 28º
festival de cinema de Tóquio, no ano passado. Além da semelhança com uma
pessoa, de conseguir olhar nos olhos e ler a linguagem corporal de seu
interlocutor, Geminoid F recebeu tratamento de estrela: aparece nos
créditos como atriz principal e participou da coletiva de imprensa. Um
sinal de que os novos tempos estão cada vez mais próximos.
Leia mais em: http://www.valor.com.br/brasil/4441548/visao-de-longo-alcance