sexta-feira, 6 de maio de 2016

Por trás da turbulência europeia

Foi um início de ano difícil para as economias europeias. Os comentários sobre recessão ganham força em meio à piora nas expectativas de crescimento e aos fortes declínios sucessivos nos mercados de ações mundiais, encabeçados pelas ações das instituições financeiras.
As políticas de taxas de juros negativas (PTJNs) deveriam funcionar da seguinte forma: primeiro, as taxas de juros negativas desencorajam a poupança. Segundo, podem ajudar a impulsionar a concessão de créditos, uma vez que os bancos precisam pagar para guardar reservas em excesso. E, terceiro, taxas de juros negativas podem estimular as exportações já que a moeda local se enfraquece quando o capital foge em busca de retornos maiores em outros países. Isso eleva o preço das importações e incentiva as exportações. Tudo isso contribuiria para elevar o crescimento econômico e a inflação. Nesse sentido, o impacto das PTJNs não é diferente em relação ao de uma redução das taxas de juros. É que agora as pressões deflacionárias levaram essas baixas taxas de juros para o território negativo.
Este é o momento para consolidar a recuperação incipiente da região. Até agora, o BCE esteve comprando tempo, mas o pessimismo entre os investidores começa a ficar mais visível e neste momento cresce temor de que o BCE esteja ficando sem munição.
A introdução das PTJNs, de início pela Dinamarca e depois pelo Banco Central Europeu (BCE), foi seguida por rendimentos negativos em muitos títulos governamentais. Há muitos motivos para isso. Primeiro, as taxas básicas dos bancos centrais são a referência para os custos de captação de curto prazo, de forma que os títulos governamentais de curto prazo passaram a dar retornos mais baixos. Na verdade, parte do plano das PTJNs é afastar os investimentos dos papéis do governo e guiá-los para o setor privado em busca de melhores retornos.
Segundo, há um descasamento entre a oferta e demanda por bônus governamentais. Desde 2004, os bancos centrais nas economias avançadas acumularam quase US$ 10 trilhões em títulos governamentais, enquanto a oferta líquida desses papeis aumentou apenas US$ 2,5 trilhões (Pimco).
Uma terceira razão para os títulos com rendimento negativo e sua alta demanda são os investidores que preferem "voar para a qualidade", priorizando ativos que consideram "seguros". Uma quarta causa são as exigências de regulamentação, que obrigam alguns investidores institucionais a ter bônus governamentais, como as seguradoras ou os próprios bancos centrais. Uma quinta e última razão é a expectativa de que a moeda se valorize e compense os juros negativos. Isso explica, por exemplo, por que alguns investidores estão interessados nos títulos do governo suíço com rendimento negativo.
Também há, no entanto, consequências adversas das PTJPNs. Os juros negativos vêm corroendo o lucro bancário, em grande parte porque as instituições financeiras parecem incapazes ou pouco dispostas a repassar as taxas negativas para seus depositantes. A menor lucratividade, por sua vez, torna mais difícil para os bancos acumularem as reservas de capital que os tornam mais seguros, especialmente no novo cenário de regulamentação do Mecanismo de Recuperação e Liquidação de Bancos introduzido na Europa no início de 2015. Sob essas regras, os detentores de títulos estão expostos a maior risco, já que podem ser uma das soluções para socorrer bancos problemáticos sem a necessidade de dinheiro dos governos.
Além disso, diante das taxas de juros mais baixas da história, os poupadores podem optar por ficar com dinheiro vivo, anulando um dos papéis desempenhado pelos bancos, de multiplicadores do dinheiro. Ou, ainda, podem buscar ativos de maior risco para compensar os baixos retornos.
Em meio a essa desordem econômica, a possível saída britânica da UE vem criando tensões. O referendo está marcado para 23 de junho. Há muito em jogo, tanto para o Reino Unido quanto para a UE. Os laços comerciais entre as duas partes são muito estreitos e ficariam seriamente prejudicados no caso de uma saída do Reino Unido. Mais de 51% das exportações de mercadorias britânicas vão para a UE, embora essa proporção venha diminuindo. A UE exporta quase 7% de seus bens para o Reino Unido, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). Também há elos financeiros muito fortes entre o Reino Unido e uma parte significativa da UE, com a City londrina servindo de centro financeiro para a negociação de ações e títulos.
Embora os mercados estimem baixa probabilidade de o Reino Unido sair da UE, a intenção dos eleitores está dividida, então provavelmente teremos alguns meses de montanha-russa pela frente. Além disso, embora o risco de a Grécia deixar a região do euro tenha diminuído, também pode haver certa turbulência nesse front. O principal motivo é a complicada, mas necessária, reforma previdenciária que o país tenta promover.
A Grécia tem mais desempregados e aposentados do que pessoas empregadas. Em 2015, teve de destinar mais de 20% de seu orçamento ordinário para cobrir o déficit nos fundos previdenciários. Em julho, vai precisar cobrir os € 3,5 bilhões que deve ao BCE. A essas pressões econômicas, devemos adicionar a crise migratória e as tensões na fronteira macedônia. Tudo isso alimenta as inquietações no continente em um momento muito próximo de 23 de junho.
A volatilidade na Europa está destinada a continuar, mas não devemos nos esquecer que ainda se projeta crescimento anual em torno a 1,5% na região, bem longe do terreno negativo. Este é o momento para consolidar essa recuperação incipiente. Até agora, o BCE esteve comprando tempo, mas o pessimismo entre os investidores começa a ficar mais visível e neste momento cresce temor de que o BCE esteja ficando sem munição. O BCE vem trabalhando muito, mas não pode fazer tudo sozinho. Chegou a hora de a política fiscal desempenhar seu papel e de as reformas estruturais voltarem a entrar em cena. (Tradução de Sabino Ahumada).

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