Foi um início de ano difícil para as economias europeias. Os
comentários sobre recessão ganham força em meio à piora nas expectativas
de crescimento e aos fortes declínios sucessivos nos mercados de ações
mundiais, encabeçados pelas ações das instituições financeiras.
As políticas de taxas de juros negativas (PTJNs) deveriam funcionar
da seguinte forma: primeiro, as taxas de juros negativas desencorajam a
poupança. Segundo, podem ajudar a impulsionar a concessão de créditos,
uma vez que os bancos precisam pagar para guardar reservas em excesso.
E, terceiro, taxas de juros negativas podem estimular as exportações já
que a moeda local se enfraquece quando o capital foge em busca de
retornos maiores em outros países. Isso eleva o preço das importações e
incentiva as exportações. Tudo isso contribuiria para elevar o
crescimento econômico e a inflação. Nesse sentido, o impacto das PTJNs
não é diferente em relação ao de uma redução das taxas de juros. É que
agora as pressões deflacionárias levaram essas baixas taxas de juros
para o território negativo.
Este é o momento para consolidar a
recuperação incipiente da região. Até agora, o BCE esteve comprando
tempo, mas o pessimismo entre os investidores começa a ficar mais
visível e neste momento cresce temor de que o BCE esteja ficando sem
munição.
A introdução das PTJNs, de início pela Dinamarca e depois pelo Banco
Central Europeu (BCE), foi seguida por rendimentos negativos em muitos
títulos governamentais. Há muitos motivos para isso. Primeiro, as taxas
básicas dos bancos centrais são a referência para os custos de captação
de curto prazo, de forma que os títulos governamentais de curto prazo
passaram a dar retornos mais baixos. Na verdade, parte do plano das
PTJNs é afastar os investimentos dos papéis do governo e guiá-los para o
setor privado em busca de melhores retornos.
Segundo, há um descasamento entre a oferta e demanda por bônus
governamentais. Desde 2004, os bancos centrais nas economias avançadas
acumularam quase US$ 10 trilhões em títulos governamentais, enquanto a
oferta líquida desses papeis aumentou apenas US$ 2,5 trilhões (Pimco).
Uma terceira razão para os títulos com rendimento negativo e sua alta
demanda são os investidores que preferem "voar para a qualidade",
priorizando ativos que consideram "seguros". Uma quarta causa são as
exigências de regulamentação, que obrigam alguns investidores
institucionais a ter bônus governamentais, como as seguradoras ou os
próprios bancos centrais. Uma quinta e última razão é a expectativa de
que a moeda se valorize e compense os juros negativos. Isso explica, por
exemplo, por que alguns investidores estão interessados nos títulos do
governo suíço com rendimento negativo.
Também há, no entanto, consequências adversas das PTJPNs. Os juros
negativos vêm corroendo o lucro bancário, em grande parte porque as
instituições financeiras parecem incapazes ou pouco dispostas a repassar
as taxas negativas para seus depositantes. A menor lucratividade, por
sua vez, torna mais difícil para os bancos acumularem as reservas de
capital que os tornam mais seguros, especialmente no novo cenário de
regulamentação do Mecanismo de Recuperação e Liquidação de Bancos
introduzido na Europa no início de 2015. Sob essas regras, os detentores
de títulos estão expostos a maior risco, já que podem ser uma das
soluções para socorrer bancos problemáticos sem a necessidade de
dinheiro dos governos.
Além disso, diante das taxas de juros mais baixas da história, os
poupadores podem optar por ficar com dinheiro vivo, anulando um dos
papéis desempenhado pelos bancos, de multiplicadores do dinheiro. Ou,
ainda, podem buscar ativos de maior risco para compensar os baixos
retornos.
Em meio a essa desordem econômica, a possível saída britânica da UE
vem criando tensões. O referendo está marcado para 23 de junho. Há muito
em jogo, tanto para o Reino Unido quanto para a UE. Os laços comerciais
entre as duas partes são muito estreitos e ficariam seriamente
prejudicados no caso de uma saída do Reino Unido. Mais de 51% das
exportações de mercadorias britânicas vão para a UE, embora essa
proporção venha diminuindo. A UE exporta quase 7% de seus bens para o
Reino Unido, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Também há elos financeiros muito fortes entre o Reino Unido e uma parte
significativa da UE, com a City londrina servindo de centro financeiro
para a negociação de ações e títulos.
Embora os mercados estimem baixa probabilidade de o Reino Unido sair
da UE, a intenção dos eleitores está dividida, então provavelmente
teremos alguns meses de montanha-russa pela frente. Além disso, embora o
risco de a Grécia deixar a região do euro tenha diminuído, também pode
haver certa turbulência nesse front. O principal motivo é a complicada,
mas necessária, reforma previdenciária que o país tenta promover.
A Grécia tem mais desempregados e aposentados do que pessoas
empregadas. Em 2015, teve de destinar mais de 20% de seu orçamento
ordinário para cobrir o déficit nos fundos previdenciários. Em julho,
vai precisar cobrir os € 3,5 bilhões que deve ao BCE. A essas pressões
econômicas, devemos adicionar a crise migratória e as tensões na
fronteira macedônia. Tudo isso alimenta as inquietações no continente em
um momento muito próximo de 23 de junho.
A volatilidade na Europa está destinada a continuar, mas não devemos
nos esquecer que ainda se projeta crescimento anual em torno a 1,5% na
região, bem longe do terreno negativo. Este é o momento para consolidar
essa recuperação incipiente. Até agora, o BCE esteve comprando tempo,
mas o pessimismo entre os investidores começa a ficar mais visível e
neste momento cresce temor de que o BCE esteja ficando sem munição. O
BCE vem trabalhando muito, mas não pode fazer tudo sozinho. Chegou a
hora de a política fiscal desempenhar seu papel e de as reformas
estruturais voltarem a entrar em cena. (Tradução de Sabino Ahumada).
Leia mais em: http://www.valor.com.br/opiniao/4551653/por-tras-da-turbulencia-europeia
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