quarta-feira, 30 de março de 2016

Reino Unido testa aumento real do salário mínimo

"Sinto-me como se tivesse morrido e ido para o céu", disse o ministro de Negócios, Inovação e Capacitação do Reino Unido em recente discurso, enquanto se prepara para comandar o mais rápido aumento do salário mínimo na história do país.
Pela nova política, que entra em vigor nesta sexta-feira, os salários dos trabalhadores de baixa renda subirão quatro vezes mais rápido que o salário médio neste ano.
O mundo estará observando. Governos em muitos países desenvolvidos estão recorrendo a políticas de salário mínimo para tentar atacar a desigualdade e o crescimento anêmico dos salários.
A estagnação dos salários nos últimos anos tem sido atribuída ao aumento da concorrência mundial, ao declínio nas negociações coletivas, a uma desaceleração do crescimento da produtividade e à maneira pela qual a tecnologia tem "esvaziado" algumas atividades de qualificação mediana.
Em resposta, a Alemanha introduziu, em 2015, seu primeiro salário mínimo na história; o premiê japonês, Shinzo Abe, defendeu aumentos de 3% ao ano para o salário mínimo num futuro próximo; e algumas cidades dos EUA, como Seattle, estão aumentando seus pisos salariais para US$ 15 por hora.
Países em desenvolvimento, como a Malásia, também estão usando salário mínimo para tentar redistribuir o crescimento de forma mais justa e incentivar as empresas a ascender na cadeia de valor.
"Os salários mínimos nunca foram tão populares. A próxima pergunta é: até onde poderemos elevá-los?", questiona Richard Dickens, professor de economia na Universidade de Sussex.
Essa é a pergunta que o novo salário mínimo britânico - que começa em 7,20 libras (cerca de R$ 37) por hora e chegará 9 l/h hora em 2020 - terá de responder.
Nick Boles, o ministro de Negócios, disse que será "um dos maiores aumentos no salário mínimo legal já dado por qualquer governo no mundo ocidental".
Mas os conservadores nem sempre se sentiram dessa forma em relação ao salário mínimo. De fato, o partido se opôs à introdução dessa política no Reino Unido, em 1998, argumentando que destruiria empregos. "Nós trazemos ao nosso credo o fervor dos convertidos", admite agora Boles.
Muitos economistas também mudaram de opinião. Manuais de economia costumavam dizer que, se os salários subirem acima do valor que criam para os empregadores, isso reduziria a demanda por mão de obra. Ou seja, que os salários mínimos custam empregos.
Mas as opiniões dos economistas estão agora mais variadas, em boa parte devido à experiência de países como o Reino Unido, que têm mantido aumentos ininterruptos do salário mínimo sem que isso tenha gerado prejuízo perceptível ao nível de emprego.
Os primeiros sinais na Alemanha também são positivos. Apesar do nervosismo de empresas quando da introdução do salário mínimo de 8,50 euros (cerca de R$ 30) por hora no ano passado, a taxa de desemprego continuou a cair e está agora num mínimo recorde.
"Minha opinião sobre a história do salário mínimo é que sempre ficamos surpresos sobre como parece ser possível empurrá-lo para cima sem prejudicar as perspectivas de emprego", disse Alan Manning, professor na London School of Economics. "É claro que deve haver um ponto além do qual, se elevarmos demais o mínimo, surgirão efeitos adversos graves. Mas simplesmente não sabemos onde fica esse ponto".
Em termos de cobertura, dados da OCDE analisados pela Comissão de Baixa Remuneração (LPC, órgão do governo britânico) mostra que cerca de 9% dos trabalhadores no Reino Unido ganham atualmente em torno de 5% do salário mínimo - uma proporção relativamente alta, em comparação com países similares, como Austrália, EUA e Canadá. Em 2020, sugere a análise do LPC, esse número aumentará para cerca de 18% -substancialmente maior do que em qualquer outro país da OCDE para os quais há dados.
"Nós estamos entrando em águas desconhecidas e simplesmente não sabemos [o que acontecerá]. Em alguns aspectos, é um experimento social", diz o professor Dickens, também membro da Comissão de Baixa Remuneração, responsável por recomendar valores de salário mínimo ao governo.
A grande questão é saber se o Reino Unido conseguirá manter seu vigoroso histórico de empregos, especialmente para os trabalhadores menos qualificados, cuja contratação está prestes a ficar mais cara. Andrew Hilton, diretor do Centro para Estudos de Inovação Financeira, acredita que a política será "devastadora" para os empregos que exigem pouca ou nenhuma qualificação.
Este debate veio à tona recentemente também na Alemanha, devido ao temor de que o salário mínimo esteja alto demais para permitir que os refugiados recém-chegados encontrem emprego. Alguns políticos alemães pediram exceções ao salário mínimo para os refugiados com baixa qualificação.
No entanto, o professor Manning destaca que a modelagem elaborada para testar os experimentos com salário mínimo em cidades americanas como Seattle é animadora. Essas análises sugerem que os trabalhadores com baixos salários gastarão mais dinheiro na economia local, aumentando a demanda local e criando um círculo virtuoso para empregadores e empregados.
Ele diz que o Reino Unido está certo em experimentar - e contesta a ideia de que o país está "avançando aos tropeços rumo à borda de um precipício".
"Podemos estar no escuro, mas nossa posição é muito mais parecida com estar no topo de uma colina arredondada e, se formos um pouco longe demais para baixo, podemos simplesmente retornar", diz ele. "Nada aqui é irreversível".

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