A recente mudança de maré no cenário político, que pegou investidores
desprevenidos, provocou uma forte e surpreendente recuperação nos
preços dos ativos financeiros brasileiros na semana passada. Mas tudo o
que se viu até aqui é fruto apenas de uma correção. Posições pessimistas
foram zeradas diante da percepção de que o equilíbrio de probabilidades
mudou: uma troca de governo, hipótese que parecia enterrada até o
começo deste ano, voltou a ganhar espaço nos cenários e impôs um
reposicionamento dos mercados.
"Política é fundamento na veia. E com a mudança no quadro político,
houve uma corrida dos investidores para se reposicionarem", diz o
diretor de uma grande gestora de São Paulo.
Esse movimento explica a queda forte do custo do "Credit Default
Swap" (CDS, uma espécie de seguro contra calote), que foi de cerca de
450 pontos-base para 400 pontos na semana passada. Para especialistas, a
queda pode ser ainda mais expressiva, caso esse cenário de mudança
política se concretize. "Faria sentido o CDS ser negociado ao redor de
360 pontos, que é o custo pago pelos pares do Brasil, como África do Sul
e Turquia", diz o gestor de um grande fundo de São Paulo.
O mesmo vale para o juro do título NTN-B 2050, importante termômetro
de risco de longo prazo, que cedeu de 7,50% para 7% ao ano e, na visão
desse profissional, poderia ceder para baixo de 6,50%. "O que se discute
agora é qual será o tamanho do prêmio de risco do Brasil", afirma.
Na semana passada, o Ibovespa acumulou valorização de 18%, terminando
aos 49.085 pontos. Essa foi a maior variação semanal desde a última
semana de outubro de 2008. Já o dólar comercial fechou a sexta-feira a
R$ 3,759, com depreciação de 5,96% na semana. As taxas de juros também
registraram recuo.
O primeiro sinal de que o jogo político poderia mudar foi quando o
marqueteiro João Santana, responsável pela campanha que elegeu Dilma
Rousseff, foi preso. Naquele momento, alguns relatórios de instituições
financeiras já indicavam que o cerco ao governo se fechava, ampliando as
chances de um impeachment. Mas foi quando o conteúdo da delação
premiada do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) veio a público, pela
revista "IstoÉ", na quinta, acusando a presidente de tentar interferir
na Lava-Jato, é que o mercado entendeu que os preços poderiam mudar. O
movimento que se exacerbou na sexta, com o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva sendo levado para depor na Polícia Federal.
"Eu bobeei quando vi a prisão do Santana e não mudei minha posição",
afirma o gestor de um fundo do Rio, que carregava boa parte de seus
recursos aplicados em dólar. Até então, diz, o cenário que ele enxergava
era de que a permanência de Dilma no cargo até 2018 agravaria a crise
fiscal, diante da falta de capacidade do governo de implementar as
reformas, com consequências para a sustentabilidade da dívida pública.
"Se cresce a chance desse quadro mudar, então essas posições não faziam
mais sentido", diz o gestor, que zerou posições em dólar e aplicou os
recursos em NTN-B, numa posição mais defensiva. "Quem apostou pensando
no fundamento foi 'pego de calça curta' e teve que se render a essa nova
cena."
É muito cedo para confiar que o mercado ingressou em uma trajetória
firme. Mas a simples dúvida de que os preços podem mudar já justifica
uma espiral de ajustes. Se o dólar se acomodar perto de R$ 3,70 e não
acima de R$ 4, por exemplo, pode haver uma contribuição importante à
inflação, o que levaria a uma redução do prêmio exigido em títulos
públicos, como a NTN-B, indexada ao IPCA. Juros mais baixos, por sua
vez, beneficiam as ações, em um momento em que o alto endividamento das
empresas é um problema importante nas análises de risco.
Essa mudança de percepção faz posições mais pessimistas "queimarem"
nas mãos dos investidores e detonou ordens de "stop loss", quando o
investidor sai da posição a qualquer preço, apenas para interromper uma
perda. "Zeradas as posições, aí o investidor vai avaliar qual a chance
firme de haver um impeachment", explica o sócio de um grande fundo em
São Paulo. "Ainda não estamos no estágio em que o investidor está
apostando numa troca de governo. Isso ainda depende do fluxo de
notícias."
Analistas e profissionais de mercado atribuem diferentes níveis de
probabilidade ao cenário de impeachment. Para o sociólogo e coordenador
do Instituto Análise, Alberto Almeida, o noticiário da última semana
elevou de 10% para 25% as chances de impedimento de Dilma. Para ele, o
cenário básico ainda é a permanência da presidente até 2018 e, o que é
pior, sem força política para aprovar reformas importantes. "A
probabilidade era muito baixa e, de fato, cresceu. Mas ainda considero
que os recentes eventos são 'soluços midiáticos', insuficientes para
garantir um impeachment", afirma. Já a consultoria de risco político
Eurasia Group considera que, pela primeira vez, a queda de Dilma é
"provável", com mais de 50% de chance de ocorrer, ante 40% atribuídos
anteriormente.
Outra dúvida é o quão melhor estará o cenário, de fato, numa situação
de impeachment. Heinz Ruettimann, estrategista em mercados emergentes
do banco Julius Baer, diz que o movimento do Ibovespa é um "forte rali
de alívio". "Mas, francamente, como investidor, essas novidades não
mudam minha visão sobre o mercado brasileiro de ações", diz. Ele afirma
que, entre os emergentes, o Brasil ainda pertence aos mercados de maior
risco.
"Minha visão só vai mudar se eu puder ver que as deficiências
estruturais da economia estão ativamente endereçadas e resolvidas. Não é
apenas sobre uma pessoa ou outra. É sobre o sistema político, como o
sistema político funciona hoje e sua dinâmica", afirma.
Leia mais em: http://www.valor.com.br/financas/4467936/apesar-de-recuperacao-rumo-de-ativos-e-incerto
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