segunda-feira, 7 de março de 2016

Apesar de recuperação, rumo de ativos é incerto

A recente mudança de maré no cenário político, que pegou investidores desprevenidos, provocou uma forte e surpreendente recuperação nos preços dos ativos financeiros brasileiros na semana passada. Mas tudo o que se viu até aqui é fruto apenas de uma correção. Posições pessimistas foram zeradas diante da percepção de que o equilíbrio de probabilidades mudou: uma troca de governo, hipótese que parecia enterrada até o começo deste ano, voltou a ganhar espaço nos cenários e impôs um reposicionamento dos mercados.
"Política é fundamento na veia. E com a mudança no quadro político, houve uma corrida dos investidores para se reposicionarem", diz o diretor de uma grande gestora de São Paulo.
Esse movimento explica a queda forte do custo do "Credit Default Swap" (CDS, uma espécie de seguro contra calote), que foi de cerca de 450 pontos-base para 400 pontos na semana passada. Para especialistas, a queda pode ser ainda mais expressiva, caso esse cenário de mudança política se concretize. "Faria sentido o CDS ser negociado ao redor de 360 pontos, que é o custo pago pelos pares do Brasil, como África do Sul e Turquia", diz o gestor de um grande fundo de São Paulo.
O mesmo vale para o juro do título NTN-B 2050, importante termômetro de risco de longo prazo, que cedeu de 7,50% para 7% ao ano e, na visão desse profissional, poderia ceder para baixo de 6,50%. "O que se discute agora é qual será o tamanho do prêmio de risco do Brasil", afirma.
Na semana passada, o Ibovespa acumulou valorização de 18%, terminando aos 49.085 pontos. Essa foi a maior variação semanal desde a última semana de outubro de 2008. Já o dólar comercial fechou a sexta-feira a R$ 3,759, com depreciação de 5,96% na semana. As taxas de juros também registraram recuo.
O primeiro sinal de que o jogo político poderia mudar foi quando o marqueteiro João Santana, responsável pela campanha que elegeu Dilma Rousseff, foi preso. Naquele momento, alguns relatórios de instituições financeiras já indicavam que o cerco ao governo se fechava, ampliando as chances de um impeachment. Mas foi quando o conteúdo da delação premiada do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) veio a público, pela revista "IstoÉ", na quinta, acusando a presidente de tentar interferir na Lava-Jato, é que o mercado entendeu que os preços poderiam mudar. O movimento que se exacerbou na sexta, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sendo levado para depor na Polícia Federal.
"Eu bobeei quando vi a prisão do Santana e não mudei minha posição", afirma o gestor de um fundo do Rio, que carregava boa parte de seus recursos aplicados em dólar. Até então, diz, o cenário que ele enxergava era de que a permanência de Dilma no cargo até 2018 agravaria a crise fiscal, diante da falta de capacidade do governo de implementar as reformas, com consequências para a sustentabilidade da dívida pública. "Se cresce a chance desse quadro mudar, então essas posições não faziam mais sentido", diz o gestor, que zerou posições em dólar e aplicou os recursos em NTN-B, numa posição mais defensiva. "Quem apostou pensando no fundamento foi 'pego de calça curta' e teve que se render a essa nova cena."
É muito cedo para confiar que o mercado ingressou em uma trajetória firme. Mas a simples dúvida de que os preços podem mudar já justifica uma espiral de ajustes. Se o dólar se acomodar perto de R$ 3,70 e não acima de R$ 4, por exemplo, pode haver uma contribuição importante à inflação, o que levaria a uma redução do prêmio exigido em títulos públicos, como a NTN-B, indexada ao IPCA. Juros mais baixos, por sua vez, beneficiam as ações, em um momento em que o alto endividamento das empresas é um problema importante nas análises de risco.
Essa mudança de percepção faz posições mais pessimistas "queimarem" nas mãos dos investidores e detonou ordens de "stop loss", quando o investidor sai da posição a qualquer preço, apenas para interromper uma perda. "Zeradas as posições, aí o investidor vai avaliar qual a chance firme de haver um impeachment", explica o sócio de um grande fundo em São Paulo. "Ainda não estamos no estágio em que o investidor está apostando numa troca de governo. Isso ainda depende do fluxo de notícias."
Analistas e profissionais de mercado atribuem diferentes níveis de probabilidade ao cenário de impeachment. Para o sociólogo e coordenador do Instituto Análise, Alberto Almeida, o noticiário da última semana elevou de 10% para 25% as chances de impedimento de Dilma. Para ele, o cenário básico ainda é a permanência da presidente até 2018 e, o que é pior, sem força política para aprovar reformas importantes. "A probabilidade era muito baixa e, de fato, cresceu. Mas ainda considero que os recentes eventos são 'soluços midiáticos', insuficientes para garantir um impeachment", afirma. Já a consultoria de risco político Eurasia Group considera que, pela primeira vez, a queda de Dilma é "provável", com mais de 50% de chance de ocorrer, ante 40% atribuídos anteriormente.
Outra dúvida é o quão melhor estará o cenário, de fato, numa situação de impeachment. Heinz Ruettimann, estrategista em mercados emergentes do banco Julius Baer, diz que o movimento do Ibovespa é um "forte rali de alívio". "Mas, francamente, como investidor, essas novidades não mudam minha visão sobre o mercado brasileiro de ações", diz. Ele afirma que, entre os emergentes, o Brasil ainda pertence aos mercados de maior risco.
"Minha visão só vai mudar se eu puder ver que as deficiências estruturais da economia estão ativamente endereçadas e resolvidas. Não é apenas sobre uma pessoa ou outra. É sobre o sistema político, como o sistema político funciona hoje e sua dinâmica", afirma.

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