Enquanto o Ibovespa amargava prejuízo anualizado de 6,47% nos últimos
cinco anos, uma família de fundos de ações entregava 15,33%, melhor
retorno entre carteiras abertas para o período. Superava até mesmo o
Certificado do Depósito Interfinanceiro (CDI), referencial para
aplicações conservadoras, de 10,17% anualizados. O desempenho foi obtido
pela estratégia chamada pelo BTG Pactual de Absoluto, com R$ 10 bilhões
em ativos.
Escolher empresas boas, e não necessariamente baratas, é o mantra do
responsável pela área de renda variável do BTG, José Zitelmann, que
entrou no banco ainda quando era Pactual em 1998, como estagiário. De
fato, as maiores posições do Absoluto hoje são nomes conhecidos: Lojas
Renner, Ambev, BRF, Cielo e Equatorial.
Selecionar companhias de qualidade é o que faz Zitelmann dormir
tranquilamente em tempos de desaceleração econômica e Bovespa em queda.
Ele só se preocupa com a dificuldade crescente de encontrar essas
empresas, por questões que fogem de seu controle. "Fazia muito tempo que
não víamos a parte política fazendo tanto preço", disse em entrevista
ao Valor. A seguir, os principais trechos.
Valor: Qual é o segredo para ter bom desempenho em anos como os últimos cinco, tão ruins para bolsa?
José Zitelmann: Não tem segredo. A fórmula é ser
fiel à nossa filosofia de investimento: concentração, conhecimento e
qualidade. O primeiro ponto é concentração nas empresas que julgamos que
vão ter desempenho interessante independentemente do cenário
macroeconômico. As dez maiores posições são 70% a 80% do fundo. O
segundo é que sejam empresas de qualidade, líderes no seu segmento, com
'management' competente. E o terceiro é o conhecimento, ter um histórico
com a empresa. Isso evitou que cometêssemos alguns erros ao longo do
caminho, com setores ou empresas novas, como as 'startups' de óleo, não
só OGX. Nunca fomos investidores grandes dessas empresas. Quando vemos
os erros que cometemos - lógico que cometemos erros, mas eles foram
minimizados - foi porque flexibilizamos algum ponto dessa filosofia.
Valor: E como certificar que a empresa tem qualidade?
Zitelmann: Qualidade tem a ver com o histórico. É
uma empresa com 'turn over' baixo? Os administradores já estão lá há
algum tempo ou é uma empresa que todo o tempo está trazendo alguém novo?
Não existe bala de prata. Gostamos muito dessas empresas que focam no
que podem controlar. É um conjunto de pequenas iniciativas que fazem a
empresa ir bem. Empresas de qualidade são as que têm preocupação com
recursos humanos, com gente, que é o que no fundo faz a empresa.
Valor: Que empresas brasileiras representam bem essa filosofia e foram importantes para o fundo?
Zitelmann: Renner é uma delas. Você diria: mas o
varejo está sofrendo. Renner é uma empresa que, por meio do ganho de
'share', tem conseguido desempenho bastante superior ao das
concorrentes. Também citaria Ambev, pela administração e execução. Cielo
tem resiliência de negócio, dinâmica própria, com crescimento
interessante em diferentes cenários econômicos. Outra empresa é BRF,
líder no setor e vinda de um movimento transformacional, a fusão.
Fizemos em setembro um evento com a pergunta: será que as empresas que
estão se saindo bem nesse tempo de crise têm algo em comum? Convidamos
Renner, Ambev e Raia Drogasil. Elas têm em comum a simplicidade. O Galló
[José Galló, presidente das Lojas Renner] fala muito isso: ser simples é
mais difícil do que ser complexo. Elas também focam no que está no seu
controle. Câmbio e juros são dados. Você vai controlar a qualidade do
seu produto, como chega no seu cliente.
Valor: Renner, Drogasil e Ambev são hoje as maiores participações?
Zitelmann: Não. Engraçado. Drogasil é uma empresa
que admiramos, já foi do fundo, mas este ano não estamos praticamente
investidos neles. E erramos. Achamos que o 'valuation' já considerava
tudo aquilo que víamos de bom e, na verdade, foi melhor ainda. Mas essa é
outra característica. As empresas boas te surpreendem positivamente.
Valor: Quais são as maiores posições do fundo hoje?
Zitelmann: Lojas Renner, Ambev por meio da ABI [ Anheuser-Busch InBev ], BRF, Cielo e Equatorial.
Valor: São posições antigas?
Zitelmann: Essas aí estão sempre presentes. Cielo,
por exemplo, em algum momento do ano passado diminuímos, mas voltamos ao
longo deste ano. Em geral as posições não mudam, o que muda às vezes é o
peso de uma ou outra.
Valor: Mas como escolher o momento certo para comprar ou vender essas empresas de qualidade?
Zitelmann: O momento de comprar é quando você acha
que tem algum catalisador. E o que é o melhor catalisador? É a surpresa
de resultado. As coisas estão ligadas. Da empresa boa você espera que te
surpreenda: os resultados tendem a vir acima do que o mercado está
esperando. O momento é quando a empresa está em uma avaliação atrativa e
você está vislumbrando que ela vai apresentar resultados melhores do
que as pessoas estão esperando.
Valor: Mas como avaliar isso?
Zitelmann: Pelo conhecimento. Conhecemos as empresas há bastante tempo, o setor, a dinâmica, você vai falando com eles, faz suas análises.
Valor: Vocês evitam empresas ligadas ao governo, como Petrobras?
Zitelmann: Neste horizonte, de cinco anos, não me
lembro de termos. Voltando à filosofia: empresas de qualidade, com
'management' alinhado. Nas empresas do governo, a meritocracia não é tão
presente. Elas têm às vezes outros propósitos, não necessariamente a
maximização de valor para o acionista. Acabamos menos presentes.
"Fazia muito tempo que não víamos a parte política fazendo tanto preço. Hoje o que domina é a agenda política"
Valor: Quando olhamos o perfil das maiores
posições do fundo, tem uma exposição grande ao consumo, sendo que
estamos em um momento de desaceleração econômica...
Zitelmann: Por isso que eu não gosto de rotular.
Para nós, é muito mais importante a empresa do que o setor. Apesar de
ser afetado pela questão macroeconômica, varejo é um setor que tem uma
dinâmica de consolidação. Se você pegar as cinco maiores empresas de
vestuário aqui no Brasil, elas ainda têm um percentual de mercado muito
baixo, menor de 20%. Nos Estados Unidos, está acima de 50%, 60%.
Valor: Como você recebeu a notícia da perda de grau de investimento pela S&P?
Zitelmann: Lógico que é ruim e pior foi a forma
como ocorreu. Fica a impressão de que poderia ser evitado. A forma como o
governo lidou foi muito infeliz: mandar o orçamento com déficit para o
Congresso acabou precipitando isso. Agora, se você olhar variáveis como o
CDS [credit default swap], você vê que no momento do 'downgrade' elas
nem mexeram muito. Hoje o pior não é nem a questão do investment grade,
mas a dinâmica política. Você não vê luz no fim do túnel. A crise
política domina o cenário. Fazia muito tempo que não víamos a parte
política fazendo tanto preço. A parte política fazer menos preço mostra
um maior desenvolvimento, uma maior institucionalização dos países.
Realmente regredimos nisso aí. Hoje o que domina é a agenda política.
Valor: Como a questão política faz preço hoje na bolsa?
Zitelmann: Você não vira a página. As empresas não
investem, a atividade econômica não consegue se recuperar. A bolsa
talvez tenha um amortecedor, que é o câmbio. Algumas empresas acabam se
beneficiando por um lado, por terem receitas em dólar. Elas têm um
amortecedor nesse sentido. Acho que a bolsa também já vinha sofrendo.
Desde 2010, a bolsa só cai.
Valor: Essa queda recente pode ter chegado a criar oportunidades?
Zitelmann: As coisas estão baratas. Mas o ponto é o
seguinte: qual é o cenário? Se for esse cenário pelos próximos três
anos, vai piorar mais. Ou seja, as coisas estão baratas, mas podem ficar
mais baratas.
Valor: Se outras agências de avaliação de risco chegarem a tirar o grau de investimento do Brasil, pode ter uma fuga de bolsa?
Zitelmann: Acho que isso já vai ter sido antecipado. Continua esse movimento ruim.
Valor: O estrangeiro não vai evitar tirar o dinheiro agora que a bolsa e o real já caíram muito?
Zitelmann: Acho que outro rebaixamento pode afastar
alguns fundos mais passivos, que só saem quando duas agências tiram o
grau de investimento. Sem dúvida não é bom. O mercado também já está em
um nível de preço que considera o risco de ter um segundo rebaixamento
bastante alto, então não deveria ser surpresa.
Valor: Os estrangeiros que investem no Absoluto ficaram ansiosos?
Zitelmann: São estrangeiros de longo prazo. É
lógico que estão preocupados, mas às vezes mais no sentido de saber se é
hora de aumentar, se já caiu demais.
Valor: Como vocês reagem em um momento de manada para não decidir também vender ativos?
Zitelmann: Nesses 18 anos o que aprendi é que você
tem que ter suas convicções, mas respeitar muito o mercado. A pior
coisa que o gestor pode ter é arrogância com o mercado. Na maioria das
vezes esses movimentos de manada acabam sendo oportunidades. E como ver
se é ou não? Tem que fazer aquela velha pergunta: nosso 'case' está
mudando? Renner, por exemplo, já bateu R$ 115 este ano, está agora em R$
95. É lógico que a vida está mais difícil. A taxa de juros está mais
alta, então pode ter alguma inadimplência na parte financeira. Mas, se
olhar os resultados que ela vem apresentando, não parece ter um mudança
drástica. Se não está tendo mudança e o papel veio de R$ 115 para R$ 95,
parece que as coisas estão um pouco exageradas. Costumamos analisar
respeitando muito o mercado, sem arrogância, a fim de saber se a queda
da ação está mais do que refletindo a piora do resultado da empresa.
Valor: No caso da Renner, chegaram a comprar mais?
Zitelmann: Não, porque já temos posição bastante
razoável. Temos quase 10% da Renner. Mas, se estressar muito, podemos
comprar, estamos sempre analisando.
Valor: Mas, falando em respeitar o mercado, em alguns momentos você tem que assumir que é hora de sair. Como é isso?
Zitelmann: Temos uma frase que falamos muito aqui
no banco: é proibido morrer no nosso negócio. Temos as convicções, a
concentração, mas não dá para ir ao 'all win'. Esse é o segredo do
negócio. Nós vemos que está errado não é pelo movimento de mercado.
Lógico que o movimento de mercado pode te despertar para isso, mas vemos
se mudou a tese. Você sai do investimento só se mudou a tese. Voltamos
lá atrás: quando investimos, o que estávamos vendo? Isso e isso. Mudou
alguma coisa? Sim. Achávamos que a empresa estava indo para um lado e
está indo para outro. Então vamos só administrar a saída. Agora, se
aconteceu uma coisa na China e não mudou nada aqui, é só um movimento de
fluxo, na maioria das vezes tendemos a ver isso como oportunidade.
Valor: Sobre China, sentimos algumas turbulências este ano vindas das bolsas de lá. Vocês têm estudado mais o país?
Zitelmann: Sempre estudamos muito. No ano passado,
foi até tema da nossa carta. Tínhamos uma visão muito negativa para
minério de ferro, que acabou se concretizando. Achávamos que seria a
primeira vez com sobreoferta de minério, que teria uma redução da
demanda de China e isso acabou acontecendo. Hoje até estamos um pouco
menos negativos, vemos o mercado de minério um pouco mais equilibrado.
Continua a sobreoferta para final de 2016, 2017, mas no curto prazo
vemos o mercado um pouco mais balanceado.
Valor: Significa que já dá para comprar ações da Vale?
Zitelmann: Talvez não tenha a mesma visão negativa que a gente tinha. Daí para dizer que dá para comprar já é forte.
Valor: Vale vocês não tiveram nos últimos anos?
Zitelmann: Nos fundos que podíamos, chegamos a ficar com posição 'short' em Vale relevante [vendida, que ganha com a baixa].
Valor: Não poder montar posições vendidas em parte dos fundos dificulta muito hoje?
Zitelmann: Não. Acho que o alfa [diferencial de
retorno em relação ao mercado] vem menos dos shorts e mais dos acertos
nas posições 'long' [compradas, ou que ganha com a alta do papel].
Valor: Como vocês fazem para se blindar de reagir como o restante do mercado? Imagino que acompanhem notícia o dia inteiro...
Zitelmann: O que me blinda é minha filosofia,
investir nessas empresas, saber que tem alguém trabalhando lá por mim.
Eu tenho certeza que o pessoal dessas empresas está focado em como vão
fazer as coisas deles melhores, sem inventar, focados no cliente. Essas
empresas vão se sobressair. Estamos lançando agora o Absoluto Global,
com a mesma filosofia, que investe em empresas globais, gerido por um
time baseado em Nova York. O que nos dá segurança é que acreditamos na
nossa filosofia, seja aqui ou no mercado americano.
Valor: O Absoluto abriu para captação em dezembro 2007 e em 2008 já veio a crise, com um prejuízo de 31,86%. Como foi viver isso?
Zitelmann: Foi um ano ruim.
Eu gosto de olhar o fundo assim: 2008 e 2009 são anos espelhos, com
30% para baixo em 2008 e 90% para cima em 2009. Tanto em 2008 poderíamos
ter ido melhor quanto em 2009 não esperava que fôssemos tão bem. A
partir de 2010 entramos em um período que acho muito bacana do fundo. Em
todos os anos fomos significativamente melhores do que o mercado.
Vender produtos no Brasil com esse CDI é difícil, mas falamos que vale a
pena. Nossa meta é 150% do CDI. Mas tem que aguentar um pouquinho de
volatilidade.
Valor: Em 2008, não deu um pouco de desespero?
Zitelmann: Talvez um ou dois dias sim. É natural. O medo de morrer é o que te mantém vivo.
Valor: Você sempre quis ser gestor de recursos?
Zitelmann: Eu sempre gostei de ação. Meu pai tinha e
gostava, foi uma coisa meio de casa. Ele trabalhava no mercado
financeiro também, era de banco, foi do Banco Econômico...
Valor: Você chegou a investir em bolsa antes de se formar?
Zitelmann: Não fiz essa besteira. Talvez já tivesse
desistido. As pessoas querem sempre comprar ação que vai dobrar e não
existe isso. Prefiro uma ação que vai dar 15% ao ano e com o tempo
dobra. Eles perguntam: o que está muito barato? Gostamos de comprar
empresa boa, não empresa barata.
Leia mais em: http://www.valor.com.br/financas/4268242/o-gestor-que-consegue-lucrar-na-bolsa
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