terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Fernando Mano, da CPFL Geração: A importância e os desafios da inserção de novas fontes de energia na matriz elétrica brasileira

Desde a instalação da primeira turbina eólica na cidade de Fernando de Noronha em 1992 até hoje, um longo e profícuo caminho se desdobrou diante das novas fontes renováveis de geração no Brasil. Em 2003, ano seguinte à criação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), o País possuía módicos 22 MW na matriz energética representada pelas eólicas. Não havia inserção de energia solar e era pequena a participação de PCHs e usinas a biomassa. As grandes hidrelétricas com reservatórios eram predominantes, com diminuta presença das térmicas a combustível fóssil e nuclear na matriz.
De lá para cá, o setor elétrico mudou, a sociedade se tornou mais exigente em relação ao desenvolvimento sustentável das atividades econômicas, e o Brasil aprendeu que a melhor estratégia para garantir confiabilidade e segurança energética seria a diversificação da sua matriz elétrica. Ao final de 2015, as energias renováveis já representavam 9,8% da matriz elétrica brasileira, com uma perspectiva vigorosa de crescimento — tal número não considera a expansão dos projetos de mini e microgeração distribuída que assistimos hoje.
O fenômeno observado no mercado brasileiro também se verifica em nível global, impulsionado pelos esforços dos países em promover ações de combate às mudanças do clima e de incentivar negócios relacionados à economia de baixo carbono. Dados da publicação “BP Statistical Review of World Energy, June 2016” mostram que a geração de energia proveniente de fontes renováveis, sem considerar grandes hidrelétricas, cresceu 15,2% em 2015 sobre o ano anterior, em escala mundial. Disto, a geração eólica apresentou crescimento de 14,8% e a solar, 32,6% no mesmo período. Com a assinatura do Acordo de Paris, ao final de 2015, a tendência é que o avanço das renováveis se acentue, com o desenvolvimento, inclusive, de novas fontes de financiamento específicas para estes tipos de empreendimento, como os green bonds.
No caso brasileiro, as fontes alternativas têm crescido de forma expressiva principalmente no Nordeste. Na primeira semana de setembro de 2016, por exemplo, cerca de 50% da carga na região foi atendida pelas usinas eólicas. Outro exemplo dessa mudança estrutural na matriz foi observada em 10/10/2016, quando a geração eólica chegou a apresentar uma variação horária de 1080 MW médios. Esta situação traz um importante desafio ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) dado que se observam grandes variações na geração eólica ao longo do dia, condição em que o operador não havia se defrontado quando a grande parte do parque gerador era oriundo de fonte hidráulica.
Adicionalmente, observamos nos últimos anos o aumento de hidrelétricas a fio d’água no País por questões ambientais, o que tem contribuído para diminuir significativamente a capacidade de armazenamento dos nossos reservatórios. De 2001 até hoje, essa capacidade caiu de 7 para 4 meses. A título de ilustração do impacto das tecnologias fio d’água, a hidrelétrica Belo Monte deve gerar 11.000 MW médios no período úmido e 950 MW médios no período seco, variação esta que deverá ser compensada com uso dos reservatórios do sistema, despacho térmico e das demais fontes renováveis que possuem sazonalidade complementar ao perfil de geração de Belo Monte.  
As novas fontes variáveis, como eólicas e solar, e o aumento da participação das hidrelétricas a fio d’água ampliarão o nível de intermitência na matriz elétrica e trarão consigo desafios para a operação e planejamento do Sistema Interligado Nacional. O setor elétrico brasileiro precisará aprender a lidar com a intermitência destas fontes de geração de energia para garantir a segurança energética do País.
Neste contexto, estudos de como lidar com a inserção da intermitência na matriz devem ser conduzidos de modo a permitir que a expansão das fontes renováveis no Brasil ocorra de forma planejada e sem barreiras ou imprevistos indesejados, contribuindo para a segurança energética e para a qualidade do fornecimento de energia aos consumidores.
Algumas soluções para este novo paradigma para o setor elétrico já vêm sendo discutidas e implantadas no mundo, em diferentes estágios de maturidade: (i) complementação com fontes controláveis de geração, como produção termelétrica convencional despachada na base ou usinas termelétricas de partida rápida; (ii) tecnologias de armazenamento de energia; (iii) gerenciamento de demanda, (iv) desenvolvimento de modelos computacionais de previsão e otimização dos recursos energéticos, dentre outras.
O aumento da intermitência na matriz brasileira exigirá a complementação da geração de energia com outras fontes controláveis e despacháveis para garantir o fornecimento quando a produção das usinas intermitentes diminuírem de forma brusca, seja por um período sazonal ou ao longo do dia. Neste contexto, a inserção de termelétricas despachada na base pode auxiliar na confiabilidade do sistema, atendendo a carga em longos períodos (sazonal, anual ou plurianual) e liberando a geração hidráulica controlável (com reservatórios de acumulação) para assumir o atendimento das variações de carga com a modulação de despacho.
Uma segunda forma de complementação térmica para compensar as bruscas oscilações de geração seria a maior participação de termelétricas de partida rápida, com contratos de gás natural mais flexíveis. Para isto, serão necessárias adequações na regulação do gás, alinhadas à exigência de despachos térmicos mais aderentes à complementação das fontes intermitentes. As atuais estruturas contratuais de gás, com elevados índices de take/ship-or-pay, inviabilizam a existência de térmicas que tenham a flexibilidade operativa para este fim.
No campo do armazenamento, o desenvolvimento de baterias de alta eficiência e baixo custo vem avançando rapidamente em diferentes partes do mundo. Nos EUA por exemplo, a capacidade de armazenamento de energia em baterias tem a expectativa de chegar a 1,1 GW em 2019, de acordo com informações do Departamento de Energia americano. Em paralelo, previsões de mercado sinalizam que o custo de armazenamento por kWh das baterias de íon de lítio irá cair na próxima década, passando dos US$ 315 atuais para US$ 100, em 2025, segundo estudo da KPMG. No Brasil, a Chamada de Projeto de P&D Estratégico nº 021/2016 da Agência Nacional de Energia Elétrica, voltada para o estudo de novas tecnologias de armazenamento de energia, conta com a participação de 97 empresas.
Em termos de gerenciamento de demanda, modelos de cobrança e tarifas diferenciadas dependendo do horário de utilização abrandariam a necessidade de adição de novas capacidades de oferta para atendimento dos picos de consumo. Uma inciativa do regulador nesta direção é a criação de tarifa branca para o consumidor residencial, que reflete o sinal tarifário diferenciado ao longo do dia. Um modelo tarifário estruturado de forma mais aderente à variação da oferta e demanda na escala horária teria a capacidade de distribuir o consumo de energia de forma mais uniforme ao longo do dia, com efeito benéfico para os consumidores brasileiros na forma de tarifas mais justas conforme o perfil de consumo.
Por último, mas não menos importante, a melhor compreensão das características intrínsecas da variabilidade e das incertezas associadas às fontes intermitentes na produção de energia se tornará cada vez mais importante para o planejamento da operação do SIN. No caso brasileiro, os esforços na descrição estatística dos regimes de ventos e na melhoria das previsões proporcionarão maior confiabilidade para explorar as vantagens de uma matriz elétrica mais diversificada, permitindo o planejamento antecipado e ao menor custo de geração.
Neste sentido, os agentes do setor vêm desenvolvendo, em parceria com o ONS, um projeto de P&D específico para este tema, o SMART-SEN: trata-se de um modelo de simulação do sistema elétrico nacional com a presença de geração renovável intermitente, cujo objetivo é estudar os impactos da inserção crescente destas novas tecnologias de geração renovável na matriz brasileira.
Em suma, para que a crescente participação de fontes renováveis aconteça de forma equilibrada e sem sobressaltos, é preciso avaliar os impactos da inserção da intermitência na matriz e estudar alternativas que permitam aproveitar de forma eficiente a sinergia entre as diferentes fontes de geração. Assim, serão necessárias constantes adaptações nos modelos operacionais para capturar as características individuais e complementares destas fontes, otimizar os recursos energéticos e prover maior eficiência econômica nos custos de operação. Ao viabilizar de forma segura e consistente o aumento das renováveis na matriz, o setor elétrico brasileiro dará uma importante contribuição para mitigar os impactos ao meio ambiente, em linha com os compromissos internacionais assumidos pelo País para o desenvolvimento econômico sustentável.
Fernando Mano é presidente da CPFL Geração
Leia mais em: http://canalenergia.com.br/zpublisher/materias/Noticiario.asp?id=115277

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