Camargo foi um dos pioneiros no
mapeamento dos ventos brasileiros que resultou, ainda em 2001 no
primeiro Atlas Eólico Brasileiro, que segundo ele, tem um viés
conservador e que mesmo assim apontou para a existência de um potencial
de geração de 143 GW somente por meio da força dos ventos. Esse volume
equivale a 10 usinas de Itaipu ou a quase a totalidade do que o país
possui em capacidade instalada no acumulado de um século de setor
elétrico.
Segundo ele, os problemas do setor são
conjunturais e possuem solução, basta o governo não quebrar a
confiabilidade nas regras que os investidores sempre aparecerão. Isso
porque há vento para todos no Brasil e cada vez mais teremos novas áreas
e fronteiras a serem descobertas, como ocorreu recentemente com o
Piauí. Nesse sentido dos novos caminhos ele aponta o litoral do Sudeste e
estados do interior do país como Goiás, bem como os mais ao norte como
Roraima e Amapá. Confira a seguir os principais trechos da entrevista do
executivo da Camargo-Schubert e Nabrawind (empresa sediada em Navarra,
na Espanha) à Agência CanalEnergia e que foi
homenageado no Brazil Windpower 2016 com o título de Embaixador do Vento
ao lado de seus companheiros de ITA, Bento Koike, da Tecsis, e Mário
Araripe, da Casa dos Ventos.
Agência CanalEnergia: Por que os ventos brasileiros são apontados como alguns dos melhores do mundo?
Odilon Camargo:
Passados 40 anos desde que comecei a atuar nesse mercado no projeto
aerodinâmico de aerogeradores e depois de correr atrás de locais para a
instalação de parques eólicos enquanto não havia projetos no país ao
inventariar os locais mais apropriados, vemos que o Nordeste é um local
ótimo para essa fonte. Isso porque há centros de alta pressão
estacionários entre o litoral nordestino e a África que influenciam
diretamente os ventos alísios. Essa mesma característica poderia ser
vista em seu equivalente no hemisfério Norte que abrange o México e a
Flórida, mas ali há baixa pressão e acaba levando à ocorrência de
furacões. Na mesma faixa mas no hemisfério sul temos a Indonesia e norte
da Austrália, mas ali há tufões. Aqui, os ventos são comportados e
intensos, assim como na Etiópia que vem passando pelo crescimento no uso
de seus aproveitamentos eólicos.
Agência CanalEnergia:
A fonte eólica alcançou a meta não oficial de 10 GW na primeira década
em sete anos. A que se deve atribuir essa expansão acelerada no Brasil,
somente aos ventos?
Odilon Camargo:
Quando a gente observa a expansão da eólica no mundo, principalmente na
Europa, o crescimento teve uma base muito forte em subsídios e
incentivos para a indústria. A crise de 2008 foi boa para o setor porque
a indústria teve que sair da zona de conforto e competir globalmente e
para isso teve que baixar o preço e o custo de geração. Em qualquer
lugar do mundo, especialmente em países em desenvolvimento a energia tem
peso essencial para o crescimento econômico. E essa indústria encontrou
mercado justamente na América Latina, África e Ásia. O Brasil entrou no
mapa mundial do setor eólico no momento certo e os leilões consolidaram
a fonte cujo modelo está sendo aplicado até mesmo pela Alemanha, o que
me deixou entusiasmado. Antes a tarifa estava na casa de 90 euros, agora
o preço teto por lá será de 70 euros. Isso mostra que a competição no
mundo passará a ser por custo de geração. Isso traz benefícios para o
setor como um todo já que os fabricantes terão que apresentar produtos
novos para ser mais eficientes.
Agência CanalEnergia: Nesse sentido, quais novas tecnologias devem surgir no mundo?
Odilon Camargo: A
questão é que para aumentar a capacidade de um equipamento deve-se
aumentar as pás e o rotor. Só que isso traz um problema que é a
logística em função das estradas. E não é somente no Brasil, e sim em
todo o mundo, os parques estão localizados em regiões mais acidentadas e
de difícil acesso. Começou então o movimento de dividir as pás. A
Wobben Enercon já tem uma em proporções de 20% e 80%. Há outras formas
de divisão como ao meio que traz benefícios no transporte. Hoje há pás
na Dinamarca de 88 metros de comprimento. Outro caminho da energia
eólica são as torres mais altas e de aço. Hoje as torres de concreto são
até oito vezes mais pesadas que as de aço. Outra vantagem é o tempo que
leva para ser construída, e ainda, com o advento do aumento dos rotores
a torre acaba se elevando a mais de 120 metros. Para montá-la é
necessário um guindaste especial, uma máquina rara e de 90 toneladas de
peso. Isso, obviamente, traz importantes custos logísticos. Uma torre
modular é a resposta para reduzir esses custos e inclusive podendo ser
transportada até mesmo por caminhões comuns. Você não dispensa o uso de
guindastes, mas usa os mais comuns e depois no processo de construção
pode sobrepor módulos podendo aumentar a 150 metros, 200 metros... nesse
modo para erguer uma torre o céu é o limite.
E ainda, há diversas ideias
mirabolantes para a geração de energia eólica no mundo, mas não foge à
necessidade de captação de vento por meio de pás, quanto maior a área de
alcance das pás mais energia cinética é gerada pelo vento e
transformada em energia elétrica. Portanto, a forma de avanço sempre se
dará pela elevação das dimensões dos aerogeradores. Hoje temos máquinas
de 2 MW e com 115 metros de altura com produtividade sensacional, mesmo
com pouco vento. Se aumentar em 10% a 20% a dimensão da pá tem quase a
mesma proporção de elevação do fator de capacidade sem o aumento
significativo do capex, o que reduz o custo de geração. No geral, o
horizonte que se descortina é de baixar o custo de geração em até 25%.
Agência CanalEnergia:
No Brasil a energia eólica tem se concentrado no Sul do país e no
Nordeste, principalmente. Há novas regiões para aproveitamento eólicos
que podemos ver fora dessas áreas?
Odilon Camargo: Aqui
no Brasil a tendência também é de aumentar a torre e o rotor. Com o
avanço dos equipamentos, há uma boa perspectiva de que teremos energia
eólica competitiva no litoral norte do Rio de Janeiro seguindo para o
Espírito Santo, onde já mapeamos áreas que se mostram atraentes para
novos projetos. Ali temos vantagens como capacidade de escoamento,
proximidade de carga, de logística. Além dessas regiões há possibilidade
de novos projetos no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Essas
localidades podem se beneficiar do surgimento de máquinas mais
produtivas que podem se utilizar de ventos menos intensos.
Em termos de novas fronteiras um
estado que é promissor em termos de expansão eólica é Roraima. E essa
região pode se beneficiar bastante uma vez que vive ciclos de crise,
pois tem seu abastecimento vindo da usina venezuelana de Guri cujo
reservatório vem secando, o que afeta o atendimento da demanda naquele
local. E não é somente esse, vemos ainda o Amapá, o interior do Mato
Grosso do Sul e Goiás como possíveis novas fronteiras do setor. Mas é
preciso ressaltar que no Nordeste, como um todo, ainda possui muitas
áreas a serem exploradas e que ainda não aparecem no mapa da geração
eólica nacional. Algumas destas são maravilhosas em termos de expansão.
Foram descobertas há 3 ou 4 anos e ainda tenho comigo que há muitas
outras a serem descobertas.
CanalEnergia: O nosso
potencial estimado é de 500 GW, acredita que com o avanço dos dados de
medições esse numero tende a aumentar?
Odilon Camargo: Em
2001 fizemos o atlas eólico nacional de forma bem conservadora e
apontamos para 143 GW, pouco mais de 10 Itaipus. Recentemente
conseguimos alcançar 10 GW de potência instalada e 19 GW contratados, ou
seja, pouco mais de 10% desse volume conservador. Olhando para o
futuro, vemos o desenvolvimento tecnológico abrindo novas fronteiras. Há
vento para todo mundo e na eólica o limite de potencial é o nosso
consumo, pois com as novas máquinas se passa a aproveitar ventos 7,5 a 8
metros por segundo e se pensarmos que podemos utilizar ventos a partir
de 6 metros por segundo, então, isso amplia o potencial, e ainda nessa
conta devemos colocar a elevação da altura das torres em comparação com o
que tivemos na elaboração do atlas de 143 GW. Cada vez mais os
aerogeradores conseguem produzir com ventos menos intensos e isso com
economicidade e competitividade.
Agência CanalEnergia:
Nas discussões do Brazil Windpower deste ano observamos que a
transmissão é um gargalo importante para o setor. Há alguma forma de
destravar essa questão?
Odilon Camargo: Essa
questão apresenta duas vertentes principais. A primeira é que ainda há
limitações decorrentes do mal atendimento por linhas de transmissão,
principalmente no Nordeste onde temos algo entre 6 GW e 7 GW de eólicas
que se somam às UHEs do São Francisco e levam a um potencial total de 10
GW, um volume que indica a necessidade de termos mais linhas para o
escoamento desse potencial para outras regiões. Outra questão é a
ambiental que para os parques a licença é muito mais rápida, já para as
linhas os problemas são fundiários e ambientais. Mesmo com a declaração
de utilidade pública por parte da Aneel, encontrar todos os
proprietários das terras é complicado.
Além disso, é bom lembrar que o
problema da transmissão no setor eólico deve-se a uma virtude dessa
fonte, a rapidez com que fica pronta. Mas isso não é exclusividade do
Brasil, há a mesma dificuldade de escoamento até mesmo na China, Estados
Unidos e Índia por sua extensão territorial. Aliás, no Texas, que
concentra de 80% a 90% da expansão eólica nos Estados Unidos, o governo
local desenvolveu projeto de linhas para se adiantar à demanda. Ao passo
que os parques vão ficando prontos já encontram a conexão disponível. E
se quando esse circuito estiver saturado já há as torres para que seja
colocado o segundo circuito. Aqui no Brasil o planejamento da EPE que
interconecta o Nordeste com o Sudeste é positivo, pois a carga está
nesse maior submercado o que dará vazão à produção eólica. O que eu
tenho ouvido é que em 2019 a questão da conexão estará bem equacionada e
que teremos linhas para todo mundo, uma noticia muito importante para o
setor elétrico do país.
Agência CanalEnergia: O maior problema não é técnico então, é de financiamento, como vimos na edição deste ano do Brazil Windpower?
Odilon Camargo:Todas
as questões técnicas têm solução. É uma questão de tempo e recursos
disponíveis e essa última questão, do financiamento, é conjuntural. O
momento é preocupante já que grande parte dos financiamentos e
empréstimo ponte tem o BNDES como apoiador e de repente vem e fala que
deve reduzir essa participação, inclusive, retroativamente, olhando até
mesmo para aqueles contratos já assinados. Isso é uma questão muito
grave porque afeta diretamente a confiabilidade que é necessária para
que os investidores tirem o dinheiro do bolso e apliquem em projetos.
Essa sinalização do banco traz uma total falta de confiabilidade aos
investidores que vão querer aumento do retorno sobre o investimento e
isso afeta as tarifas, pois com o aumento do risco o custo sobe e isso,
quem paga, somos nós consumidores. Mas essa situação é conjuntural,
sempre há um fim do mundo chegando e o da vez é a questão do
financiamento.
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