quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Visão de longo alcance

Juros, inflação, desemprego, instabilidade política. Os esforços necessários para enfrentar o atual cenário deixam pouco espaço para estender o olhar para o futuro. Mas, dedicar tempo e recursos para pensar e, principalmente, estar disposto a construir as próximas décadas é, segundo especialistas que acompanham as tendências mundiais, fundamental. É lá, dizem, que estão os maiores desafios - mas também as grandes oportunidades.
Alguns argumentos: em 2030 estima-se que haverá no mundo uma população de 8,3 bilhões de pessoas, pressionando a demanda por energia, água, alimentos e o uso da terra. Até lá, o total de consumidores da classe média vai aumentar drasticamente, especialmente na Ásia, e seu consumo será quase triplicado, para mais de US$ 55 trilhões.
Em 2050, o PIB dos países emergentes (China, Índia, Brasil, Rússia, Indonésia, México e Turquia), terá saltado para US$ 138 trilhões, o que representará o dobro do total esperado para os países do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) - uma clara indicação de deslocamento do centro de poder econômico no mundo.
Dados dessa magnitude já seriam suficientes para convencer os mais resistentes a olhar o futuro com atenção redobrada. A lente dos estudiosos, porém, mostra que há muito mais. "Estamos vivendo um momento em que fatores de grande impacto para a natureza, a sociedade e a economia estão interagindo de forma acelerada para criar um futuro totalmente novo", diz Fernando Alves, sócio-presidente da PwC Brasil.
Os radares da PwC, detalhados em estudo sobre megatendências e suas implicações, de 2015, apontam para cinco grandes forças que, segundo o executivo, vão mudar radicalmente o mundo nas próximas décadas: a população mundial vai ter um novo perfil demográfico; a balança do poder econômico penderá para o lado dos emergentes; haverá um drástico aumento da concentração urbana e uma revolução tecnológica tão rápida e intensa quanto o impacto desse novo mundo sobre o meio ambiente. "Descortinar esse mundo por vir significa criar as condições necessárias para se preparar e fazer desse futuro uma oportunidade e não uma ameaça", diz Alves.
O estudo Megatendências 2030 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também de 2015, que sintetiza as expectativas de personalidades e entidades internacionais sobre o futuro mundial, mostra que o novo perfil populacional, com maior peso da classe média, pessoas cada vez mais envelhecidas, conectadas e empoderadas vai exigir muito mais das organizações e dos governos.
"Identificamos tendências fortes, que já estão em andamento e vão gerar um mundo bem diferente do que se vive hoje", afirma Elaine Coutinho Marcial, organizadora do estudo e coordenadora da assessoria de gestão estratégica, informação e documentação do Ipea.
Além das mudanças de perfil populacional, o Ipea aponta a formação de novas e poderosas forças relacionadas ao modelo econômico vigente, ao clima, à geopolítica mundial, à ciência e à tecnologia. O instituto também fez um mapeamento das grandes incertezas - áreas nas quais há sinais que não se consolidaram como tendências. "É nesse ponto que empresas, sociedade e governo podem trabalhar e alterar o curso dos acontecimentos", afirma Elaine.
É também esse o convite que os especialistas fazem às corporações: de se tornarem vetores da mudança. "A analogia extraída do darwinismo, segundo o qual não sobrevive quem é o mais forte, nem o mais rápido, mas o que melhor se adapta, ficou no século XX; o que importa agora vai além da adaptação: é preciso ter capacidade de agir, articular parceiros, atender demandas sociais", observa Luís Guedes, professor de inovação da Fundação Instituto de Administração (FIA), da Universidade de São Paulo (USP).
Para Alves, da PwC, muitas organizações identificam megatendências, mas têm dificuldade em decodificá-las. "Quem decodificar isso de maneira mais plena e antes se posicionar vai ser vencedor", diz ele. No caso do deslocamento do poder econômico mundial, por exemplo, o importante é descobrir se a empresa está preparada para explorar negócios nos novos centros globais. "Se os países emergentes serão a economia do amanhã, as empresas precisarão estar nesses mercados", diz o executivo.
Segundo ele, não é por outra razão que, a despeito do desempenho da economia brasileira, o Brasil recebe um investimento estrangeiro anual de US$ 65 bilhões. "Por que isso acontece se a economia está decrescendo? Porque o Brasil é relevante no mundo de amanhã", diz.
Além do monitoramento geográfico, as organizações precisam estar preparadas para atuar no futuro digital - a megatendência apresentada como principal no estudo da Ernst & Young (EY). "Todos os negócios estão evoluindo para plataformas digitais e, para estar alinhada com essa tendência, a empresa tem de repensar os canais de comunicação com seus clientes; capturar e usar os dados de forma eficiente, mas também saber como se proteger das ameaças cibernéticas", diz Miguel Duarte, sócio de consultoria da EY.
Outro ponto que requer atenção, segundo o executivo, é a transformação que o futuro digital vai promover no ambiente de trabalho: 47% das profissões em economias desenvolvidas têm um alto risco de serem automatizadas nos próximos 20 anos.
Do ponto de vista do ambiente físico, os desafios são grandes para sociedade, empresas e governo. O avanço acelerado da urbanização observado nas últimas décadas se intensificará: até 2050, as cidades vão abrigar 72% mais habitantes em relação ao universo de 3,6 bilhões de pessoas de 2011, segundo levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU). "Esse salto forçará o uso de infraestrutura dos grandes centros e os gargalos nos sistemas de transporte público, saúde, abastecimento de água e alimentos se agravarão", diz o presidente da PwC.
Segundo ele, as cidades terão de estabelecer limites e ter eficiência para assegurar qualidade de vida aos seus habitantes - por exemplo, utilizando modelos de gestão com parâmetros empresariais. "As megalópoles serão mais influenciadoras do que países e haverá um sentimento anti-cidade, porque será difícil viver nelas", afirma.
Mais populoso, rico e urbano, o planeta enfrentará uma intensa pressão por recursos naturais. A previsão é que até 2030 a demanda por água aumente 40%, a de energia, 50%, e a de alimentos, 35%. "Isso significa maior competição por recursos e os CEOs terão de fazer uma avaliação mais crítica dos cenários para se antecipar a possíveis crises", observa Alves. Como mostra o estudo do Ipea, o modelo econômico atual é agressivo ao meio ambiente e, além de levar à escassez de recursos naturais, poderá contribuir para a ocorrência de eventos extremos, ocasionando impactos negativos ao ambiente social e econômico. "Temos de repensar nossa relação com o planeta", diz Elaine.
Duarte, da EY, lembra que é possível observar um crescimento do movimento pró-sustentabilidade entre as empresas - especialmente nas grandes corporações -, impulsionado por consumidores que cobram cada vez mais uma atividade produtiva voltada para a minimização de impactos no meio ambiente. Mas essa guinada tem um alto custo: a projeção é que até 2050 a adaptação a mudanças climáticas exigirá um desembolso de até US$ 100 bilhões por ano.
Assim como a sustentabilidade, a tecnologia, o novo perfil do consumidor e a urbanização acelerada estão no radar de muitos CEOs. Ainda assim, segundo Guedes, muitas empresas preferem ficar de olho no presente a assumir o risco do futuro. "É como numa prova. Se estudar bastante o que vai cair, passa de ano, mas país nenhum avança dessa forma", diz. No setor público, o avanço tem outro ritmo. "O longo prazo ainda não entrou na agenda do Estado", observa Elaine. Além de prover a infraestrutura necessária ao novo mundo, cabe ao Estado atender às demandas por serviços públicos, educação, capacitação e transparência exigidas pela nova era.
Para Guedes, é também tarefa dos governos estimular o avanço do país com uma política que estimule setores econômicos estrategicamente definidos. "Foi o que o Japão fez: estudou o futuro, escolheu a robótica e fez um planejamento de longo prazo." A aposta japonesa avançou tanto que é um robô a protagonista do filme "Sayonara", apresentado no 28º festival de cinema de Tóquio, no ano passado. Além da semelhança com uma pessoa, de conseguir olhar nos olhos e ler a linguagem corporal de seu interlocutor, Geminoid F recebeu tratamento de estrela: aparece nos créditos como atriz principal e participou da coletiva de imprensa. Um sinal de que os novos tempos estão cada vez mais próximos.

Leia mais em:  http://www.valor.com.br/brasil/4441548/visao-de-longo-alcance

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