terça-feira, 17 de novembro de 2015

O Brasil se encontra em dominância fiscal?

Uma das principais discussões e motivo de controvérsia entre os economistas nas últimas semanas é se o Brasil está ou não em dominância fiscal. Antes de responder a esta pergunta, é fundamental definir o que os economistas têm chamado de dominância fiscal, pois divergências quanto à definição têm gerado confusão no debate econômico.

A definição original aplicada ao Brasil sobre dominância fiscal remete ao artigo de Olivier Blanchard de 2004, "Fiscal Dominance and Inflation Targeting: Lessons from Brazil". Em uma situação normal, um aperto de política monetária reduz a inflação e um dos canais é a apreciação real do câmbio, dado que o diferencial de juros estimula a entrada de capital. Sob dominância fiscal, por outro lado, uma elevação dos juros acaba causando uma depreciação cambial. Isto ocorre em resposta ao aumento do risco decorrente da elevação da dívida pública. Na sequência, o efeito inflacionário via câmbio é maior que do que a desinflação via contração da atividade econômica. O resultado final é que uma elevação dos juros causa aumento da inflação.

De fato, observamos ao longo de 2015 um aperto monetário razoável, elevação do risco país, elevação da dívida pública, forte depreciação cambial e elevação da inflação. Todas estas características remetem a um quadro de dominância fiscal em sua versão original. Entretanto, para que a dominância fiscal se verifique desta forma, a causalidade dos fatos é muito relevante. E há algumas evidências que nos mostram que não foi o aperto monetário que causou esta dinâmica.

Não podemos atribuir ao aperto monetário a piora do risco país e a consequente depreciação cambial

Primeiro, a dinâmica de aumento do risco país e de depreciação do câmbio tem relação direta com a política fiscal. Foi depois das revisões da meta de superávit primário em 22 de julho e 31 de agosto, com suas consequências sobre a dinâmica da dívida, que o risco país subiu, trazendo consigo a depreciação do real. Ou seja, não podemos atribuir ao aperto monetário a piora do risco e a consequente depreciação cambial.

Segundo, a elevação atual da inflação é um fenômeno de ajuste de tarifas públicas e não de repasse cambial. Os preços administrados em doze meses passaram de uma alta 1,5% ao final de 2013, ano em que houve contenção de tarifas, para 5,3% em dezembro de 2014, e para 16% no último dado disponível, de setembro de 2015. A inflação dos preços livres, que é onde a política monetária atua, está andando de lado. Foi de 7,3% em 2013, 6,7% em 2014 e está em 7,6% no último dado. Estimativas com o Simulador 4CAST indicam que os preços livres estariam em 6,5% não fosse o atual choque de preços administrados.

Adicionalmente, um ponto relevante colocado por Blanchard é que países com alta parcela de suas dívidas atreladas à moeda estrangeira têm maior probabilidade de estar em dominância fiscal. Apesar dos mais de US$ 100 bilhões em swap cambial e dos US$ 70 bilhões em dívida pública em moeda estrangeira, temos US$ 370 bilhões em reservas, o que faz do Brasil um credor líquido em moeda estrangeira. Neste caso, uma depreciação do real melhora a solvência do setor público, apesar da elevação do déficit nominal pelo pagamento dos swaps.

A maior parte dos economistas concorda que não há dominância fiscal em sua versão original. Ao menos não por enquanto.

A outra definição de dominância fiscal é que a dinâmica da dívida entra no conjunto de variáveis relevantes observadas pelo Banco Central. Com isso, como um aumento dos juros causa aumento da dívida pública, o Banco Central aumenta os juros numa magnitude menor do que ele deveria aumentar. Sob este conceito, é mais difícil afirmar se o país vive ou não sob dominância fiscal, o que explica a divergência de diagnóstico entre alguns economistas.

Algumas evidências nos sugerem que, mesmo sob este conceito, parece que o Brasil não está em dominância fiscal.
iStock/Getty Images

O aperto monetário conduzido pelo Banco Central de outubro de 2014 a julho de 2015 foi maior e mais intenso do que os economistas previam no seu início. Em outubro do ano passado, o mercado esperava uma elevação dos juros para 12% ao longo de 2015, mas a taxa Selic subiu para 14,25%. Em termos de atividade, o mercado previa expansão do PIB de 1% em 2015 e de 2% em 2016, e agora as projeções são de retração de 3,1% e 2% respectivamente, uma mudança em nível de mais de 8 pontos percentuais. Quanto a inflação, o mercado previa 6,33% para 2015 e 5,5% para 2016, e agora projeta 10,04% e 6,5% respectivamente.

É fato que nas últimas duas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) o Banco Central manteve a taxa de juros estável, mesmo com elevação das expectativas de inflação para 2016, que agora ameaçam o cumprimento da banda. Este comportamento poderia fazer supor que estamos sob dominância fiscal neste segundo conceito. Entretanto, o comportamento da atividade econômica justifica plenamente esta ação por parte do Banco Central. O mercado projeta atualmente que o PIB vai se contrair por dois anos consecutivos, sendo a pior recessão desde a década de 1930, quando o PIB se retraiu 2,1% em 1930 e 3,3% em 1931.

Nestas condições, é razoável que o Banco Central não imponha ainda mais custos para a atividade econômica, e que, portanto, a convergência da inflação à meta seja feita de uma forma mais lenta. É verdade que o Banco Central poderia ser mais explícito em seus comunicados, mas isso é em parte o que ele quer dizer quando diz que a atual taxa de juros, e não uma taxa de juros maior, "é necessária para a convergência da inflação à meta no horizonte relevante da política monetária".

O sistema de metas de inflação é suficientemente flexível para reagir a situações conjunturais como a atual. A adoção de metas de inflação ajustadas, como feito em 2003 e 2004, poderia ajudar neste processo de convergência da inflação e de ancoragem das expectativas em horizontes mais longos, como 2017, para a qual as expectativas já começaram a se descolar do centro da meta.

Juan Jensen é sócio da 4E Consultoria e professor do Insper (jensen@4econsultoria.com.br).

Leia mais em : http://www.valor.com.br/opiniao/4318334/o-brasil-se-encontra-em-dominancia-fiscal

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