O leilão governamental de geração A-6 marcado para 31 de agosto, que vai negociar
projetos com início de fornecimento da energia em 2024, deve ter grande
contratação de energia eólica. As termelétricas, que foram destaque no
último certame do mesmo tipo, contudo, devem ter um espaço limitado devido a algumas
alterações no edital que reduziram a atratividade da fonte.
O secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do
Ministério de Minas e Energia, Eduardo Azevedo, afirmou na semana
passada ser "razoável" pensar em uma contratação de 1 gigawatt (GW) de
capacidade de fonte eólica no leilão. "Há uma perspectiva importante e
interessante para [contratação] de eólicas", disse ele, em evento no
Rio.
Na avaliação de especialistas, a demanda do leilão deve ser baixa,
devido às incertezas em relação ao desempenho da economia do país. Com
isso, não haverá espaço para a contratação de projetos de usinas
termelétricas a gás natural de grande porte.
"A demanda vai ser baixa, as distribuidoras estão sobrecontratadas.
Não vai ter espaço para térmicas muito grandes", afirmou o diretor do
Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. Para ele, o
leilão deve contratar 500 MW médios de energia. "Não mais que isso."
Para o professor Nivalde de Castro, do Grupo de Estudos do Setor
Elétrico (Gesel) da UFRJ, não há cenário de recuperação da demanda do
mercado cativo (por meio dos leilões regulados), em razão da crise
política e econômica, que vem derrubando as expectativas de investimento
e crescimento do PIB. "O mercado cativo vem perdendo espaço para o
mercado livre, o que contribui ainda mais para reduzir a demanda que as
distribuidoras apresentam para o leilão."
No leilão A-6 de dezembro do ano passado foram contratados 1.870,9
megawatts (MW) médios de termelétricas a gás natural, que pretendem usar
combustível das reservas do pré-sal. Dificilmente o cenário se repetirá
desta vez, por causa de uma alteração na sistemática da disputa. Agora,
só será possível contratar o volume necessário para fechar a demanda do
certame.
"O grande problema aqui é que antes o leilão contratava a térmica
inteira, mesmo que a demanda fosse apenas para um pedaço dela. Agora, só
esse pedaço da usina pode ser contratado", explicou uma fonte do setor.
Por exemplo, se houvesse demanda para 100 MW de potência e uma
termelétrica de 1.000 MW fosse contratada, os outros 900 MW seriam
vendidos como "sobrecontratação involuntária". Agora, poderá ser
contratada apenas a demanda declarada (os 100 MW), mesmo se for um
percentual pequeno do projeto. Com isso, o restante (900 MW) deveria ser
negociado no mercado livre - o que dificultaria o financiamento,
inviabilizando o projeto.
O motivo da mudança foi evitar a sobrecontratação desnecessária de
termelétricas. Para João Carlos Mello, presidente da Thymos Energia,
isso é um equívoco. "As distribuidoras estavam comprando mais energia do
que precisavam, mas de forma alguma isso é ruim para o sistema, porque a
segurança do abastecimento depende de térmicas", disse.
Com a redução do espaço das termelétricas, os parques eólicos devem
ser destaque no certame, ainda que a demanda possa ser menor do que a
defendida pelo setor. A presidente da Associação Brasileira de Energia
Eólica (Abeeólica), Élbia Gannoum, defende que a fonte precisa de no
mínimo 1.000 MW anuais em novos contratos para que a cadeia de produção
possa ser mantida e se recupere após um período sem certames (entre 2015
e 2017).
Investidores experientes do setor eólico estão traçando suas
estratégias para o leilão. A Rio Energy, por exemplo, estuda adotar
postura usada por outras geradoras no último certame: contratar parte da
energia do parque eólico no leilão regulado, para garantir a conexão à
transmissão, e negociar outra parcela no ambiente livre. "A ideia é
minimizar a garantia física [dos projetos] no leilão e maximizar no
livre", disse o presidente da Rio Energy, Marcos Meireles. A empresa
planeja colocar à disposição do leilão 300 MW de projetos na Bahia e
quase 200 MW no Ceará.
Com estratégia parecida, a Casa dos Ventos organizou um leilão prévio
no mercado livre, na última sexta-feira, para montar sua estratégia
para o A-6. O leilão serviu para negociar com comercializadoras e
consumidores livres contratos de energia de novos projetos, que também
podem ser colocados no leilão A-6, fazendo um mix entre os dois
ambientes de negócios.
Segundo o diretor financeiro Ivan Hong, a Casa dos Ventos tem 10 GW
de capacidade de projetos prontos para serem construídos. A maior parte
deles está em Pernambuco, Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte.
Entre comercializadoras interessadas em comprar energia eólica no
mercado livre, está a Electra Energy. A empresa pretende adicionar nos
próximos meses 40 MW médios de energia de usinas eólicas ao seu
portfólio de contratos no mercado livre.
Segundo relatório da consultoria K2 Management, os custos da energia
eólica na América Latina estão caindo drasticamente, provocando impacto
significativo na abordagem e na metodologia por trás do desenvolvimento
de projetos na região. "É evidente que a evolução do mercado alterou
significativamente o nível e o tipo de riscos associados ao
desenvolvimento bem-sucedido de projetos de larga escala", afirmou o
diretor-geral da K2 Management na América Latina, Hebert Nascimento.
Os preços das eólicas, porém, não devem ser tão baixos como nos
últimos leilões, em que ficaram abaixo de R$ 100 por megawatt-hora
(MWh). Mudanças nas regras do certame aumentaram a isonomia entre as
fontes, mas, ao mesmo tempo, elevaram o risco da fonte eólica.
"Esse edital tem mudanças importantes, como o produto por quantidade
para eólicas", disse Tiago Correia, diretor da Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel) e relator do processo de aprovação do edital do
leilão.
Até então, a fonte eólica era negociada em leilões no mercado
regulado como um produto por disponibilidade, na qual os empreendimentos
recebiam uma receita fixa, e a medição da energia gerada era anual. Com
isso, o risco ficava com as distribuidoras, repassado ao consumidor por
meio da tarifa.
O governo tomou a iniciativa de estudar uma mudança nesse tipo de
contrato, por considerar que a fonte eólica está madura o suficiente,
com custos menores e preços decrescentes. O contrato será diferente dos
outros do tipo, sazonalizado de acordo com a curva de produção projetada
pelas usinas.
Foi descartado impor um contrato por quantidade como o das
hidrelétricas, com sazonalização de acordo com a demanda dos compradores
(as distribuidoras). A justificativa para isso é o fato de que as
usinas hídricas conseguem alocar no sistema mais ou menos energia
dependendo do período do ano (mais seco ou chuvoso) por meio do
Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), uma espécie de "condomínio
virtual" na qual toda a energia hidrelétrica gerada é repartida entre os
consumidores. Mesmo se uma das usinas gerar menos que outra, o
mecanismo faz a compensação igualando o percentual da garantia física de
cada usina gerada no período.
No caso das eólicas, a geração ao longo do ano é inversamente
proporcional a das hidrelétricas, mais concentrada nos meses mais secos.
O consumo, por sua vez, segue o comportamento das hidrelétricas. Se a
energia gerada pelas eólicas precisasse ser sazonalizada de acordo com a
carga, o risco seria tão alto que poderia inviabilizar projetos na
área, segundo Mello, da Thymos Energia.
Isso dificultaria, inclusive, a obtenção de financiamentos para os
projetos. Segundo Correia, da Aneel, a mudança no edital foi discutida
com os bancos para que chegassem a uma equação que permitisse a
viabilização financeira dos contratos por quantidade das eólicas. "Com o
produto por quantidade para eólicas, havia um risco grande para o
gerador. Mas ele não precisa ficar exposto", explicou ele.
O contrato por quantidade "tradicional", com sazonalização de acordo
com a demanda, era defendido pela Câmara de Comercialização de Energia
Elétrica (CCEE) e pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). A ideia era
que o gerador assumisse o risco e procurasse meios para mitigá-lo, como
a compra de contratos de energia no mercado livre. O argumento era que,
como os preços da fonte eólica caíram muito nos últimos anos, ainda que
ficassem ligeiramente mais altos por causa disso, continuariam
competitivos, e o risco sairia do consumidor.
A CCEE e EPE alegavam que a alocação da energia de acordo com a
geração poderia impor riscos aos consumidores, que não teriam os
contratos concentrados na época em que a demanda é maior. Isso não vai
acontecer com este leilão porque a demanda será baixa, e o volume
contratado não deve ser significativo para causar qualquer tipo de
distorção.
Leia mais em: https://www.valor.com.br/brasil/5729489/eolicas-terao-destaque-em-leilao-de-energia
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