quarta-feira, 17 de maio de 2017

solução depende de revisão do modelo

Com uma perspectiva diferente dos segmentos que consideram inevitável a adoção de medidas imediatas para solucionar os impasses que travam o funcionamento do mercado, os comercializadores de energia elétrica acreditam que “não há solução definitiva para os principais problemas de curto prazo sem uma revisão do modelo comercial do setor elétrico.” O desafio, na visão do presidente executivo da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia, Reginaldo Medeiros, é interno, pois significa “trazer para realidade quem ainda reluta em promover mudanças no setor e valoriza a micro agenda quase pessoal.”
A Abraceel defende o aprofundamento das discussões sobre o modelo, e pretende apresentar um estudo independente durante o Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico para servir como ponto de partida do debate. O Enase promovido anualmente pelo Grupo CanalEnergia, em parceria com 20 associações empresariais, acontece nesta quarta e quinta-feiras (17 e 18 de maio), no Centro de Convenções SulAmérica, no Rio de Janeiro.
Na visão do executivo, é necessário promover gradualmente a abertura total do mercado, para permitir ao consumidor a livre escolha do fornecedor de energia; acabar com a obrigatoriedade da venda de energia de Itaipu em cotas para as distribuidoras a partir de 2023 e extinguir já o sistema de cotas prevista na Lei 12.783 para as usinas hidrelétricas com concessões renovadas. Outros pontos defendidos pela Abraceel são a separação entre tarifa de energia e tarifa-fio e entre energia e lastro; a reavaliação dos subsídios aplicados às fontes incentivadas de geração; o fim da obrigatoriedade de consumidores livres serem agentes da CCEE e a alteração do modelo de formação de preços.Uma questão urgente, na visão dos comercializadores, é o fim da regra que permite a republicação do Preço de Liquidação das Diferenças. Veja a entrevista de Medeiros à Agência CanalEnergia:
Agência CanalEnergia:  Havia expectativa entre os agentes de mercado quanto a uma discussão mais ampla sobre a revisão do atual modelo setorial. Essa discussão necessariamente vai ter que acontecer?
Reginaldo Medeiros: Nos últimos três encontros Enase, apresentei, de forma provocativa, exatamente esse alerta, ou seja: os agentes do setor precisavam sair urgentemente do blábláblá e do mimimi e partir para a ação, pressionando as autoridades para rever o modelo comercial do setor elétrico, em uma época em que o Governo alijava do acesso ao poder quem falasse em mudanças no setor. Hoje, como nunca, o Brasil precisa de um setor elétrico eficiente, com preços justos, credibilidade, robustez, não retroatividade, transparência das regras e que se coloque um fim à insana judicialização setorial. Entretanto, parte significativa dos segmentos do setor elétrico continua dizendo para o Brasil a mesma coisa de sempre: “tenho mais um custo urgente para repassar ao consumidor”, ou “precisamos de um leilão salvacionista e, por esta razão, não é prudente mudarmos o modelo comercial agora, pois as prioridades são outras”.  É este o desafio: trazer para realidade quem ainda reluta em promover mudanças no setor e valoriza a micro agenda quase pessoal.
Para nós, da Abraceel, o momento de transformação por que passa o País é a oportunidade de se alterar o marco legal e regulatório que disciplina o atual modelo comercial do setor, fruto de uma visão estatizante e direcionista, que sabidamente demanda uma revisão, no sentido de estimular a competição e promover a eficiência e inovação, de forma a reduzir os riscos, as incertezas e os custos operacionais e comerciais das empresas nele atuantes. Tudo isso resultará, sem dúvida, em benefício ao consumidor final.
Neste ano, não nos limitamos apenas em apresentar propostas, fruto do debate entre nossos associados. Com efeito, por entender que a reformulação do modelo comercial deva ocorrer de forma sustentável, de modo a atrair novos investimentos e não gerar efeitos indesejados sobre o equilíbrio dos diversos elos do setor, julgamos essencial o aprofundamento da discussão sobre o assunto, razão pela qual a Associação contratou estudo sobre a ampliação do mercado livre de energia elétrica, objeto, aliás, da Consulta Pública MME 21/2016, elaborado pela consultoria PSR. É este estudo independente que apresentaremos no Enase como ponto de partida para um debate indispensável e, claro, qualficado e de alto nível para mudarmos o setor elétrico.
Agência CanalEnergia: Quais são os temas mais urgentes para resolver os impasses que têm travado o pleno funcionamento do setor, na visão dos comercializadores?
Reginaldo Medeiros: Além da judicialização, que na nossa visão só será resolvida com a revisão do modelo comercial do setor e a aceitação por todos do novo contexto de mercado, é necessário por fim à regra da Aneel que permite a recorrente republicação do PLD, uma vez que tal possibilidade não se coaduna com a operação de um mercado maduro, pois afeta negócios já concluídos, provoca forte especulação dos agentes a cada troca de cartas entre o ONS, ANEEL e CCEE, e não resolve o problema da “descoberta” sucessiva de erros, que não resultam em outro efeito que não o comercial. Não custa repetir, a regra não tem feito com que os erros diminuam, apenas causa confusão, prejuízos, ganhos que não estavam precificados, embutindo a precificação de riscos desnecessários que só oneram o preço para o consumidor.
Agência CanalEnergia:  O que pode ser feito de imediato, e o que seriam medidas de longo prazo?
Reginaldo Medeiros: Temos uma visão distinta do sentido da pergunta: não há solução definitiva para os principais problemas de curto prazo sem uma revisão do modelo comercial do setor elétrico. Na nossa visão precisamos promover:
• Abertura total do mercado, mediante supressão dos limites constantes dos artigos 15 e 16 da Lei 9.074/1995, de forma que cada consumidor possa optar livremente de quem deseja contratar sua energia elétrica. Embora entendamos que tal abertura possa ser feita de imediato, via Decreto do Poder Concedente, e que essa medida, longe de causar um desequilíbrio significativo nos mercados de consumo das distribuidoras, poderia induzir o surgimento de soluções de repasse dos contratos chamados de “legados” e mesmo para viabilizar a comercialização varejista, reconhecemos que a adoção de uma estratégia mais conservadora, em que a abertura do mercado se dê na forma de um cronograma de liberalização progressivo.
Segundo tal proposição, o cronograma de abertura deverá observar os volumes de contratação do ACR para os próximos anos, as janelas de oportunidade para a ampliação do mercado e a realização de leilões de excedentes pelas distribuidoras. Observe-se que marco legal que permite o repasse de contratos da distribuidora já foi sancionado pela Lei 13.360/16. Assim, os montantes de energia elétrica contratados pelos agentes de distribuição que excederem a totalidade de seus mercados já podem ser negociados em leilões públicos, restando ao MME e/ou Aneel estabelecer disciplina para tanto, de forma a permitir a participação de todos os agentes.
Na mesma direção, entendemos que duas medidas adicionais são oportunas para adequar a carteira das distribuidoras ao cronograma de abertura do mercado, com destaque para: (a) Energia de Itaipu – propomos o fim da obrigatoriedade de comercialização da energia de Itaipu sob regime de cotas no ACR a partir de 2023, o que permitirá que tanto a parte brasileira quanto a paraguaia possa ser negociada livremente e (b) Cotas de garantia física e potência – propomos o fim do regime de cotas de garantia física e potência estabelecido pela Lei 12.783/13, fazendo que as cotas atuais possam ser liberadas ao mercado. No caso, o excedente financeiro desse repasse seja utilizado para minimizar ou eliminar uma eventual elevação de tarifas por meio do abatimento de encargos como a CDE. Tal providência, por certo, contribui para reduzir o atual cenário de sobrecontratação, e elimina a continuidade da assunção, pelos consumidores das distribuidoras, do chamado risco hidrológico, que, além de onerá-los, tem forte possibilidade de ser agravado, à medida que cresce a participação das outras renováveis na geração e reduz-se a reserva hídrica comparativamente ao aumento da carga. Na mesma direção, propomos que as concessões de geração de energia hidrelétrica com contrato de concessão vincendo e não prorrogável passem a ser objeto de licitação onerosa, nas modalidades leilão ou concorrência, com a energia podendo ser livremente negociada pelo concessionário.
• Separação das atividades de fio x energia das distribuidoras. Como consequência da possibilidade de os consumidores passarem a escolher o seu fornecedor de energia, presume-se que uma grande parte desses, hoje acertadamente alcunhados de “cativos”, opte por permanecer atendido pelo seu atual fornecedor – a distribuidora ao qual está conectado.
A Abraceel, coerentemente com sua bandeira de criação de um mercado totalmente livre, não defende a migração compulsória, mas sim a possibilidade de cada empresa e cidadão optar livremente pelo fornecedor da energia que consome. Assim, para suprir seu mercado consumidor, entende-se que a distribuidora deva, após o período de transição, possuir maior flexibilidade e responsabilidade na comercialização de energia, devendo haver separação integral dessa atividade da sua área operacional, a qual deve cuidar exclusivamente da expansão, operação e manutenção da rede de distribuição. Nessa condição, as concessionárias, as permissionárias e as autorizadas de serviço público de distribuição de energia elétrica do SIN garantiriam o atendimento ao seu mercado mediante contratação regulada, por meio de licitação, formalizada por meio dos contratos bilaterais com os vendedores, como se faz hoje, com os Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado – CCEAR. Observe-se que como consequência da abertura do mercado, não faz mais sentido a atual separação dos ambientes de contratação – regulado (ACR) e livre (ACL). Sugere-se, portanto, a alteração do marco legal (Lei 10.848/04 e Decretos regulamentares), de forma a eliminar tal distinção.
• Separação Lastro x Energia. Propõe-se a separação entre a contratação de lastro e energia, de forma a garantir o mecanismo indutor da expansão. Para tanto, deverá ser autorizada a realização de leilões específicos para contratação de capacidade de geração, com o objetivo de garantir que as necessidades de energia requeridas pelos consumidores sejam integralmente lastreadas por respaldo físico de geração. Os custos decorrentes da contratação de capacidade serão rateados entre todas as unidades consumidoras do SIN. A energia será comercializada ou consumida livremente pelos vencedores das licitações.
• Subsídios associados às fontes denominadas de incentivadas. A liberalização total do mercado elimina a distinção entre consumidor convencional e especial e separa claramente as atividades fio e energia. Nesse sentido, entende-se que devam ser reavaliados os atuais subsídios concedidos à geração e comercialização da chamada energia proveniente de fontes incentivadas, devendo a expansão ser direcionada via o mecanismo de contratação de capacidade, de forma competitiva.
• Consumidores como agentes da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Propomos o fim da obrigatoriedade de os consumidores livres serem agentes da CCEE e manter apenas a opção de o consumidor, se assim o desejar, participar diretamente do mercado atacadista. Os demais ficariam modelados nas próprias distribuidoras ou em comercializadoras.
• Alteração do modelo de formação de preço do mercado de curto prazo. O modelo de despacho de usinas e a formação do preço da energia elétrica no mercado de curto prazo deverá permitir a introdução de sistemática de oferta de preços entre os agentes do mercado de energia elétrica, conforme regulamento, e obedecendo cronograma previamente estabelecido.
Agência CanalEnergia:  Teria que haver uma mudança de paradigma para que o modelo de negócios evolua e o setor possa, de fato, se modernizar?
Reginaldo Medeiros: O principal é obtermos pontos de consenso e apoiarmos o Ministério de Minas e Energia, que tem uma equipe liderada pelo ministro Fernando Coelho, extremamente capacitada e interessada em resolver os problemas do atual modelo comercial do setor elétrico. Tenho clareza que as circunstâncias políticas permitem alterações legais apenas em 2017, visto que no próximo ano, com as eleições, não teremos a oportunidade de promover as indispensáveis mudanças legais. Portanto, as diretrizes gerais devem constar na nova lei elétrica e a regulamentação pode ser debatida no próximo ano. Neste sentido, lembro que já há dois projetos de lei, na Câmara e no Senado, que promovem mudanças no modelo comercial do setor e estabelecem um cronograma de abertura de mercado para os próximos anos. Portanto, o quanto antes discutirmos as linhas gerais das mudanças necessárias no modelo comercial do setor, mais cedo poderemos aprovar as alterações legais para, na sequência, detalharmos as regulações.
Agência CanalEnergia:  Os avanços tecnológicos tenderão cada vez mais a influenciar a forma como o mercado de energia elétrica se organiza?
Reginaldo Medeiros: Historicamente, o arranjo comercial do setor e a regulação acompanharam o contexto tecnológico existente à sua época. Quando os sistemas eram isolados, as tarifas eram pelo custo do serviço e o Código de Águas era o marco regulatório maior do setor. Na época de ouro das estatais e com a interligação do sistema elétrico, a partir da inauguração da usina de Furnas e a decisão de construir Itaipu, criou-se uma gestão financeira e tarifária centralizada para o setor. Com o processo inconcluso de privatização, tomou-se a decisão de individualizar as tarifas novamente e a regulação por contratos passou a ser a tônica. Com a mudança do modelo setorial promovida no primeiro governo FHC, fruto das novas possibilidades de economia de escala e escopo no setor e redução dos custos de transação, criou-se a máxima: regulação quando necessário e competição onde possível. Agora, com os avanços tecnológicos que tem na geração distribuída e fontes renováveis o consumidor passa a ser o protagonista, sendo natural que haja um modelo comercial razoavelmente inteligente que descentralize as decisões de produção e consumo.
Agência CanalEnergia: Estamos muito atrás em relação à forma como os consumidores se relacionam com o mercado, comparados a outros países?  Como mudar isso?
Reginaldo Medeiros: Excetuando o caso chinês, que tem suas peculiaridades, a liberdade de escolha do consumidor é uma discussão do século passado nos mercados mais maduros. Dando o direito de escolha ao consumidor, promove-se a competição, a redução de preços, a criação de novos serviços, a eficiência na produção e no uso da eletricidade. Quanto mais tempo demorarmos nesse avanço, protelando a decisão, menor será a penetração das energias renováveis na nossa matriz elétrica com eficiência técnica e econômica, por exemplo.

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