Com menos de sessenta dias do início efetivo do novo governo, começam
a aparecer demonstrações de que o cenário está mudando e que o Governo
Federal se esforça para criar um ambiente de negócios propício para o
aumento da atividade econômica, baseado na livre iniciativa e nos
investimentos privados nos diversos setores. Recente manchete de capa do
jornal Valor Econômico (26/10) dá destaque à discussão sobre proteção
cambial para as novas concessões, com a preocupação de atrair um maior
número de interessados para os novos leilões de concessões. Condição,
esta, "sine qua non" para a atração de capital próprio e de terceiros.
Apesar deste esforço existem certas atitudes, que, claramente, jogam
contra este atual objetivo do Governo Federal. Neste meu texto, gostaria
de colocar o foco em uma, que já vem sendo discutida há algum tempo, e
que, aparentemente, o Projeto de Lei de Conversão no 29 da Medida
Provisório no 735, no seu art. 9o, deverá resolver.
Desde 2015, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL decidiu
abolir das modalidades de garantia para fiel cumprimento de obrigações,
estabelecidas por ela em processos de outorga, o seguro-garantia. Com o
argumento de que esta modalidade é de difícil execução, ela simplesmente
foi excluída, contrariando o previsto na Lei no 8.666 (que serve, em
seus princípios, como balizamento a estes processos), onde se estabelece
a livre escolha pelo agente entre as modalidades de caução, fiança,
seguro-garantia e títulos públicos. Contudo, o que parecia ser uma
decisão sistêmica, sobre a dita fragilidade deste instrumento, se
restringiu apenas aos empreendimentos de geração autorizados pela ANEEL,
cuja a energia é destinada ao mercado livre. Claramente uma falta de
isonomia entre agentes, que não pode ser sustentada pelo arbítrio
inerente à regulação, posto ser necessário razoabilidade e a devida
justificativa (da não isonomia). Não há outra explicação para isto que
não seja um preconceito com esses empreendimentos, como já visto em
outras ocasiões, mas que tem sido, em muitos casos corrigidos.
A quase totalidade de obras de infraestrutura nacional (estradas,
linhas, centrais de geração, aeroportos, metrô, portos, etc.) utiliza o
seguro garantia. No âmbito do setor elétrico, todos os outros agentes o
fazem sem restrições. Se a preocupação demonstrada pelo Regulador fosse
relevante e vigente, não deveria ser permitida a utilização deste
instrumento no leilão de linhas de transmissão, do dia 28 de outubro.
Porém o mesmo está previsto no seu edital. Neste caso a garantia de fiel
cumprimento é da ordem de R$ 1,25 bilhão, provavelmente de
seguro-garantia. Para fins de comparação, seria suficiente para garantir
4.000 MW em centrais de geração hidrelétrica. Portanto, não é um
problema sistêmico.
Tal determinação não parece ser um preconceito com uma tecnologia
definida, porque, se as mesmas centrais vendessem energia para o
ambiente regulado, poderiam utilizar o seguro garantia. Isto,
provavelmente, seja o argumento mais forte contra esta irracionalidade,
pois, em um leilão para o ambiente regulado (para a proteção de
consumidores com "pouca capacidade de defesa", como pensado pelo
governo), os vendedores irão atender o serviço público de distribuição
de energia elétrica comprometendo-se "apenas" com o seguro garantia. Já
no caso do mercado livre, aonde não há garantias de volume e preço,
trazendo maior risco aos agentes, exige-se forma de garantia ainda mais
onerosa. Poderia se concluir que o preconceito é com o mercado livre e
não com o autorizado. Será?
Espera-se que, com as discussões ocorridas no processo de tramitação
da MP no 735, e com o desejo do atual Governo Federal na criação de um
melhor ambiente de negócio, o dispositivo que corrige esta distorção
(que criou um gueto de empreendimentos autorizados sem acesso ao seguro
garantia) seja aprovado sem vetos. E, com isto, encerre este preconceito
herdado do governo anterior, permitindo que a ANEEL cumpra a sua missão
de desenvolver o mercado de energia de forma harmônica e com
equilíbrio.
Afonso Henriques Moreira Santos é professor da
Universidade Federal de Itajubá (Unifei), Doutor em Planejamento de
Sistemas Energéticos e ex-diretor da Aneel.
Leia mais em: http://www.canalenergia.com.br/zpublisher/materias/Noticiario.asp?id=114505
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