quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Crise eleva incerteza sobre captação local

A crise política e econômica colocou em xeque os planos das empresas que buscam captar recursos no mercado de capitais local. Até mesmo as operações que contam com algum tipo de benefício fiscal, que vinham mostrando maior resistência enquanto as demais fontes de financiamento locais e externas ficaram mais escassas e caras, começam a ser afetadas.
O sinal de alerta foi ligado após a concessionária de rodovias Autoban, controlada pela CCR, ter pedido ontem a suspensão por 60 dias úteis do pedido de análise de uma emissão de R$ 930 milhões em debêntures de infraestrutura. A emissão da empresa também foi prejudicada pela decisão da Justiça paulista de antecipar o fim do contrato de concessão de 2026 para 2018. A concessionária informou que recorrerá da sentença.
Pelo menos R$ 8,7 bilhões em ofertas de títulos de dívida, como debêntures, estavam em andamento no mercado até o início desta semana. Das nove operações previstas, seis contam com isenção de imposto de renda para pessoas físicas ou investidores estrangeiros, incluindo as de gigantes como Petrobras e Ambev.
Apesar de toda a tensão nos mercados, a demanda dos investidores pelos papéis incentivados não vinha sendo afetada. Entre as operações fechadas recentemente está a da processadora de alimentos BRF, que captou R$ 1 bilhão com uma emissão de certificados de recebíveis do agronegócio (CRA).
A companhia pagará pela dívida juros equivalentes a 96,9% da taxa interbancária (CDI). Para efeito de comparação, a credenciadora de cartões Cielo, que possui classificação de risco semelhante à da BRF, obteve taxa de 105,8% do CDI. A diferença é que a operação da Cielo, realizada em abril, não contou com benefício fiscal.
Para o diretor da área de banco de investimento de uma grande instituição, ainda é cedo para afirmar se outras ofertas incentivadas podem ser prejudicadas pela crise. "A demanda pelos papéis continua boa, mas se nada mudar em algum momento alguém vai dar com a cara na porta", diz a fonte.
As operações incentivadas ocorrem em um momento de escassez de outros ativos que contam com benefício fiscal, como as letras de crédito imobiliárias (LCI) e do agronegócio (LCA). O principal atrativo é a rentabilidade adicional proporcionada pela isenção de imposto. Tanto que, em várias emissões, o investidor topa "dividir" o ganho com a empresa emissora.
Foi o caso da Vale, que emitiu R$ 1,350 bilhão em debêntures de infraestrutura no fim do mês passado, pagando uma taxa de aproximadamente 0,50 ponto abaixo dos títulos do Tesouro Nacional de vencimento equivalente. Os investidores pessoas físicas responderam por 95% dos recursos obtidos pela mineradora na operação.
Enquanto as emissões de papéis incentivados se mantêm atrativas, nas captações tradicionais, voltadas a investidores institucionais, como fundos de investimento e de pensão, a perspectiva é bem menos favorável. Com a maior volatilidade, os fundos têm preferido manter o dinheiro em caixa, em aplicações com liquidez imediata. Por isso, as emissões devem se restringir a nomes com baixo perfil de risco e por prazos mais curtos.
Para atrair os investidores, as novas emissões podem ter prazos menores, de até três anos. O vencimento médio das captações domésticas já vem caindo e era de 3,8 anos até agosto, de acordo com dados da Anbima, a associação que reúne as instituições que atuam no mercado de capitais. Há dois anos, o prazo das emissões era de 5,8 anos.
Com menos demanda, a expectativa é que em algum momento os custos de captação subam. As taxas ainda não sofreram a correção na mesma magnitude ocorrida no exterior, em especial após a perda da classificação de grau de investimento pelo país, segundo uma fonte de mercado. Como resultado, as taxas estão mais baixas aqui do que lá fora.
Para efeito de comparação, uma letra financeira emitida pela Caixa Econômica Federal, com vencimento em 2017, paga ao redor de 0,85% acima do CDI. Já o título equivalente no exterior, convertido para real, pagava um prêmio de aproximadamente 2,25% no início da semana.
O mercado local deve ser a principal fonte de recursos para as empresas nos próximos meses, segundo o executivo de um grande banco. "A recomendação para as companhias que precisam de recursos para 2016 e 2017 é antecipar as captações" diz o executivo.
Ontem, o conselho de administração da Gol aprovou a emissão de R$ 1,05 bilhão em debêntures pela controlada da companhia, a VRG Linhas Aéreas, antiga Varig. As debêntures terão prazo de quatro anos e remuneração de 132% do certificado do depósito interfinanceiro (CDI). Os recursos serão usados no alongamento da dívida da VRG. Outra forma de financiamento em meio à incerteza são as operações com securitização, na qual a companhia antecipa um fluxo de recebíveis com uma taxa de desconto.
O desenrolar do cenário político seguirá como principal fator de risco para as emissões no curto prazo, de acordo com o diretor de renda fixa de um banco de investimento. O recente rebaixamento da classificação de risco do país pela Standard & Poor's foi mais um fator negativo, mas teve menos impacto do que as tensões vindas de Brasília, segundo o executivo, que pediu para não ser identificado. "Não houve mudança estrutural no risco de crédito das companhias, mas sim aumento no risco de mercado. O único efeito imediato do rebaixamento pode ser um impacto marginal na demanda", diz. (Colaborou Camila Maia)

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