quarta-feira, 23 de agosto de 2017

IGUALDADE DE OPORTUNIDADES É UM DESAFIO NO SETOR ELÉTRICO

Ser minoria na atividade em que atua dentro de uma organização parece ser a regra quando se trata de mulheres em áreas tradicionalmente ligadas à engenharia, como o setor elétrico. Essa aparente solidão não é necessariamente uma coisa negativa para mulheres em posição de liderança, mas estudos mostram que apesar do esforço para alcançar a equidade de gênero, a igualdade de oportunidade para profissionais do sexo masculino e feminino ainda não é uma realidade no ambiente corporativo.

Advogada de formação, Ticiana Freitas de Souza está há um ano como superintendente de Fiscalização Econômico e Financeira da Agência Nacional de Energia Elétrica. O cargo já foi ocupado por dois contadores (um deles o atual diretor-geral da autarquia, Romeu Rufino) e um advogado, e uma presença feminina rompe de certa forma com a barreira de gênero. O padrão que inclui as mulheres em cargos gerenciais ou de direção como minoria também se repete na agência reguladora. “O que é muito comum é estar numa reunião, ter dez, 15 pessoas, e você ser a única mulher. Isso a gente vê. Se a gente está falando aqui da Aneel, que tem poucas mulheres, isso se replica também nas empresas do setor. É muito difícil você ver uma diretora, ou uma diretora presidente”, admite Ticiana.

O próprio ministério teve Dilma Rousseff como única ministra, e tem a tradição em reservar todos os cargos de segundo escalão para profissionais do sexo masculino. Vinda de uma área de atuação em que há certo equilíbrio entre homens e mulheres, a superintendente da Aneel garante, porém, que nunca sofreu qualquer tipo de preconceito ou discriminação por questão de gênero, nem na autarquia, nem em sua passagem pelo setor privado e pelo setor público. “Eu nunca tive nenhuma experiência negativa em função de gênero. Minha experiência mais negativa foi em função de idade” relata, lembrando de ter enfrentado certo estranhamento pelo fato de ocupar cargos mais altos ainda muito jovem.

Ticiana começou no departamento jurídico da Coelce (hoje Enel Ceará) em Fortaleza em 1998. Já em Brasília, trabalhou como advogada na Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial (estatal criada no racionamento de 2001/2002 e já extinta); trabalhou na Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético e foi consultora jurídica do Ministério de Minas e Energia a partir de 2005. Nesse meio tempo, passou no concurso da Aneel como especialista em geração, onde começou a trabalhar em meados do ano passado, já como superintendente.

A história da chefe de gabinete do diretor-geral da Aneel, Nara Rúbia de Souza, se confunde com a própria criação da agência reguladora. Estudante de engenharia civil na Universidade de Brasília, ela começou como estagiária no antigo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica em 1995, foi contratada no ano seguinte pela DNAEE, onde trabalhou com o grupo que pensou a lei de criação da Aneel. Quando a autarquia substituiu o departamento em 1997, continuou na agência com contrato temporário, onde ocupou a função de assessora de superintendência e na sequência dos ex-diretores Isaac Averbuch e Edvaldo Santana até ser chamada para a chefia de gabinete por Romeu Rufino. Nara é servidora efetiva da agência desde 2005, quando passou em concurso público.

 “Para ser sincera, não tive dificuldades. Foi uma trajetória de sucesso mesmo. Acho que foi questão de muita oportunidade”, avalia a engenheira. Ela admite não ter parâmetro para dizer se o fato de trabalhar no setor público teria influenciado sua trajetória profissional, por nunca ter passado por empresas privadas. Mas acredita que o fato de ter menos mulheres em cargos de liderança no setor elétrico é consequência da quantidade maior de profissionais do sexo masculino no mercado. “Na minha turma, quando eu entrei em 1991 na UnB na engenharia civil, por incrível que pareça minha turma tinha bastante mulher”, conta a técnica da Aneel. Ela lembra que de 35 vagas umas 15 foram ocupadas por alunas, o que foi atípico para o período, mas a quantidade de mulheres que terminou o curso foi bem foi bem menor do que as que entraram pelo vestibular. Nara afirma que é comum em reuniões estar sozinha com 15, 20 homens, ou com uma ou duas mulheres, no máximo, mas afirma não ver nenhum problema em razão disso.

Para a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica, Elbia Gannoum, a presença da mulher aumentou principalmente nos últimos cinco anos, em razão de mudanças profundas que ocorreram no modelo do setor nas décadas de 1990 e 2000. Essa evolução abriu o mercado para a entrada de profissionais de outras áreas e provocou certo receio com relação à mudança, muito mais pelas novas carreiras que estavam surgindo do que pela discussão de gênero. “Até porque veio tudo junto. As novas carreiras abriram espaço para as mulheres. E as mulheres hoje estão fazendo engenharia mais do que no passado. E tem muitas mulheres engenheiras, economistas, advogadas, administradoras, analistas de sistema. Eu acho que cresceu e tem muito mais a crescer” acredita Elbia.

Ela destaca que a partir de 2010 houve aumento da participação feminina no setor, principalmente em cargos de che×a de alto escalão. E esse crescimento tem a ver também com a diversidade. “Na verdade, houve uma revolução. Aquele engenheiro clássico está cada dia mais raro. Mesmo os engenheiros do setor já têm algum viés de formação na área administrativa, de economia, escrevem bem em geral. No passado, a gente tinha aquela coisa de engenheiro que não conseguia escrever”.

Com 17 anos de experiência, a economista com projetos de mestrado e doutorado voltados para mercado, concorrência e governança começou a estudar o setor elétrico em 1997, no auge do modelo Reseb, a primeira grande reforma do setor. O trabalho rendeu um convite para a área de estudos de mercado do Aneel, passagem pelos ministérios de Minas e Energia e da Fazenda e participação no Comitê de Gestão da Crise, coordenado por Pedro Parente durante o racionamento de 2001. A convite de Dilma Rousseff, então ministra do MME, Elbia voltou ao ministério para participar das discussões do novo modelo de comercialização implantado em 2004. ,

Antes de assumir na Abeeólica como a primeira presidente de uma associação do setor elétrico, ela já havia ocupado o posto de primeira economista-chefe do MME e o de primeira conselheira da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. “De uma forma geral, o setor elétrico me aceitou muito bem. Eu nunca tive que enfrentar grandes problemas pelo fato de ser mulher. Tem aquele impacto inicial, mas, com o trabalho, rapidamente você já supera isso”.

“Nas empresas do setor elétrico não sei se existe uma politica explicita de barrar, mas são muito poucas mulheres que até hoje assumiram cargos de direção. Eu fui a primeira diretora de Furnas. Em 60 anos, fui a primeira mulher a ocupar um cargo de direção”, relata a presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear, Olga Simbalista. Engenheira elétrica formada pela Universidade Federal de Minas Gerais em 1970, ela conta que foi para o setor nuclear porque era o único onde não existiam preconceito contra as mulheres. Apesar disso, até dez anos atrás o espaço de controle da usina de Angra 1 não tinha toalete feminino.

 A executiva afirma que o setor elétrico evoluiu em relação à época em que ela se formou, em razão das políticas de gênero e pelo aumento no número de mulheres nas escolas de engenharia. Ainda assim, observa, elas não chegam a 30% dos formandos. “É um mundo assim do saber, do conhecimento, e nunca tive restrição pelo fato de ser mulher, exceto para a indicação de cargos de direção. Todas as vezes em que eu concorri eu era excluída e colocavam um homem. Até que em 2011 fui indicada [pela presidente Dilma Rousseff] para a diretoria de novos negócios e participação de Furnas, e lá estive durante cinco anos”, conta a presidente da Aben.

Ela conta que as restrições existem e são veladas, e se a mulher concorre em igualdade de condições, ela certamente vai ser preterida na escolha. Um exemplo disso é que a própria Eletrobras teve uma única diretora em 50 anos. “É o famoso teto de vidro. Ele é transparente. Você não vê, mas quando a mulher sobe, ela bate a cabeça e volta”.

As mesmas dificuldades são relatadas pela professora Leontina Pinto, fundadora da Engenho consultoria. “Tinha 20 anos quando fui para o Cepel (Centro de Pesquisa em Energia Elétrica da Eletrobras). E já apresentava trabalhos com 22, já ia a congressos. Eu ouvia coisas desde ‘very smart for a woman’ (muito esperta para uma mulher) até coisas do tipo ‘nossa, aquela menina magrinha até fala’. Além disso, nasci em Portugal e ouvi coisas do tipo ‘olha , mulher cientista e portuguesa não existe’. Então, a gente ouviu muita coisa. Algumas delas de brincadeira, outras não”, comenta bem-humorada. Então, a gente ouviu muita coisa.

Engenheira elétrica formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Leontina começou como estagiária no Cepel, fez mestrado e doutorado e deu aulas na Coppe/UFRJ e na PUC Rio, antes de abrir a própria consultoria para ter tempo de cuidar dos filhos. Também foi fundadora da PSR ao lado do consultor Mário Veiga, iniciativa da qual abriu mão para seguir em carreira solo. O saldo, no fim das contas é positivo. “Vou dizer que saboreei cada pedaço da carreira. Uma mulher, seja lá de que carreira for, e na carreia de exatas mais ainda, contribui mais do que os homens”, analisa.

A avaliação do setor é que houve avanços, mas ainda falta aos homens a mudança da percepção de que as mulheres são boas organizadoras, mas não boas diretoras. Formada em economia não inicio da década de 1990, com mestrado na PUC em Engenharia Industrial, a diretora presidente da Energisa Comercializadora, Alessandra Amaral, passou por grandes empresas como a Vale e a Coca-Cola antes de assumir a gerência de previsão de mercado na Light no fim do racionamento em 2002, onde também assumiu a área de gestão. Em 2004, foi convidada para assumir a diretoria de mercado da Energisa, na época grupo Cataguases Leopoldina, durante a implantação do novo modelo de comercialização de energia. A comercializadora do grupo foi criada dois anos depois.

Alessandra conta que a experiência por diferentes empresas exigiu uma grande capacidade de adaptação. “Nessa trajetória, um ponto realmente importante foi entender qual é a cultura de cada organização e usar as minhas características e o que eu tinha aprendido em outros setores, de modo a agregar valor”, diz a executiva. O convívio com uma maioria de homens é tratado com naturalidade por Alessandra. Ela destaca que desde a graduação em economia essa diferença numérica já existia.

Com formação eclética, que inclui graduações em história, educação e direito e mestrado e doutorado em engenharia elétrica, a vice-presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, Solange David, destaca a dedicação como uma ferramenta importante na construção da carreira. O raciocínio se aplica às mulheres de modo geral. “Eu acho que essas conquistas das mulheres decorrem da dedicação delas, da busca do conhecimento, que é essencial; a partir daí que você encontra o caminho para depois ocupar uma posição de destaque”, afirma. Segundo a executiva, dentro da CCEE, as mulheres têm ampliado a participação como gestoras em áreas técnicas, fruto de um investimento da instituição em prepara as pessoas. A área de operação do mercado, por exemplo, é composta por três homens e três mulheres. O quadro funcional diversificado é outro ponto positivo da Câmara.

 A diretora da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, Camila Schoti, construiu uma trajetória dentro da própria instituição. Com graduação e mestrado em economia, ela destaca a preocupação em se qualificar, mas também reforça que sempre gostou muito da parte do diálogo, e na Abrace foi possível casar os dois aspectos. “Nossa interlocução é muito ampla, a gente tem 53 associados, com quem temos contato frequente. Tem a interface com as instituições do setor elétrico e do setor de gás, a interface com os estados por causa da regulação estadual da distribuição, e com as empresas do setor, não só indústria, mas setor de energia, além das outras associações”. Ela diz que sempre foi bem recebida em todos os fóruns que frequentou e não tem dificuldade em expor suas duvidas, traço que atribui à formação familiar. Camila ressalva, porém, que sua experiência positiva no setor não invalida experiências negativas de outras colegas do setor, e a discussão sobre as questões de gênero e a integração da mulher são relevantes e tem se dado em todo o mundo.

Para Karin Luchesi, vice-presidente de geração da CPFL Energia, a entrada no setor começou em agosto de 2000, na antiga Asmae, e o conhecimento em relação ao modelo de comercialização do setor entrou como um diferencial na carreira. Recém-formada em 2001, a engenheira de produção entrou na empresa já com o status de especialista do setor elétrico. “Eu diria que isso me trouxe uma vantagem competitiva e talvez tenha me ajudado muito a romper algumas barreiras que eu pudesse ter por ser jovem ou por ser mulher”, acredita a executiva.

Ela lembra que sempre estudou e se dedicou muito ao setor e que a oportunidade de discutir com o governo as regras do racionamento permitiu uma visibilidade inesperada na empresa. “Vim para o setor elétrico muito mais como engenheira da produção que como engenheira eletricista, e as mudanças pelas quais a gente estava passando naquele momento eram mudanças de processo mesmo”. Única mulher em uma equipe de 20 gestores de obras da ISA CTEEP, Camila Neves é um exemplo de profissional jovem que assumiu uma função de responsabilidade em uma empresa do setor elétrico como consequência do desempenho durante o período de estágio.

Graduada em engenharia com MBA em gestão de projetos, ela entrou em 2011 como estagiária na subsidiária Interligação Pinheiros. A pouca experiência não impediu Camila de a assumir uma função de gerenciamento, desde a fase de projeto até a implementação da obra. Os desa×os são muitos, e ela cita três pontos de atenção que são o prazo, o escopo do projeto, para que ele saia da forma como planejado, e o custo.

Leia mais em: http://www.abradee.com.br/imprensa/noticias/3591-igualdade-de-oportunidades-e-um-desafio-no-setor-eletrico-canal-energia-especial

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